|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"ESPERANÇA"
Novela estréia sem empolgação
ESTHER HAMBURGER
CRÍTICA DA FOLHA
Uma novela chata. Nem
uma transa entre Toni (Reynaldo Gianecchini) e Maria (Priscila Fantin), lindamente apaixonados, namorando em segredo
sobre o feno; nem o cenário-verdade da pequena e romântica Civita, na Itália; nem o elenco, familiar cativante, foram suficientes
para dar vida ao primeiro capítulo
de "Esperança", a novela da Globo que estreou anteontem.
A nova novela promete capricho na direção de arte. Cenários,
iluminação e figurinos, áreas em
geral pouco valorizadas na televisão, merecem aqui, como em outras realizações de Luiz Fernando
Carvalho, atenção especial.
Mas o cuidado de produção não
é suficiente para fazer uma história capaz de cativar uma torcida.
A apresentação dos personagens
ainda ingênuos, antes dos primeiros reveses, que vêm ainda essa
semana, difundiu uma alegria
bem vinda, mas artificial.
Como é convencional em minisséries e novelas ambientadas
no passado, há aqui a pretensão
de situar a trama em meio a acontecimentos históricos relevantes.
A verossimilhança e a legitimidade dos dramas de amor impossível, casos de identidade trocada,
casamentos forçados pela conveniência, estaria dada por uma espécie de telerealidade histórica: a
crise econômica internacional,
Getúlio Vargas, a imigração, a decadência dos barões do café, a
efervescência de uma época que
em certo sentido definiu os rumos
do século 20 no Brasil.
Publicidade e história
O mecanismo está tão explícito
que faz tanto o pano de fundo histórico quanto a narrativa soarem
falsos. A publicidade de página
inteira, frente e verso, da novela
nos principais jornais do país é
sintomática.
Uma edição fictícia de "O Globo" de junho de 1931 noticia a história de amor proibido que motiva a migração do herói para o Brasil ao lado de histórias sobre o
crack da bolsa de Nova York, sobre os imigrantes que vêm de outras partes, como da Rússia, sobre
agitações políticas.
Algumas notícias revelam o
descolamento da narrativa, que
atribui valores contemporâneos
aos tempos de então, chamando a
atenção para questões que fazem
notícia hoje, como o assédio sexual, mas que não chamavam a
atenção na época.
Em tempos de campanha eleitoral, não faltam candidatos que
procuram legitimar seu discurso
com referências a novelas. A propaganda do PFL trouxe Romeu
Tuma além de depoimentos de cidadãos com experiência de sequestro, tratados no estilo ex-viciados introduzido por "O Clone"
-imagens de pedaços de rostos
fragmentados em primeiro plano,
editados de maneira a garantir a
privacidade do contribuinte.
Mais atualizado, José Genoíno,
candidato a governador pelo PT,
terminou discurso na segunda-feira, com mensagem de "Esperança".
Novela e política foram se mesclando durante o regime autoritário, quando faltavam espaços para a circulação livre de idéias. Em
tempos de democracia, crise e
transformação social, uma relação quase umbilical já não aparece da mesma forma. Telespectadores e eleitores estão atentos a
ganchos indevidos e à repetição
de velhas fórmulas. Desejam a ousadia da idéia nova.
Avaliação:
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: "A Cultura Digital": Livro expõe possibilidades da rede Índice
|