São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

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DIREITOS AUTORAIS

Cultura precisa de acesso democrático

LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Volto ao assunto da "reforma agrária no direito autoral" porque a réplica de Ronaldo Lemos (Ilustrada, 9 de junho) coloca uma questão fundamental. O articulista atribui a mim "desconhecimento" de causa, quando se trata, na verdade, de uma divergência básica. Portanto, com o texto que segue, considero esclarecida as dúvidas e colocado o meu ponto de vista.
O articulista acredita que "fomentar a ampla circulação da cultura passa a ser não mais um problema ligado à infra-estrutura das redes de comunicação, mas à propriedade intelectual sobre os componentes desse sistema". Discordo. Historicamente as tecnologias de comunicação são criadas para um ou mais usos que respondam a demandas de mercado, determinando em seu sistema praticamente todas as modalidades de sua aplicabilidade. Apenas um espaço periférico e inofensivo -em termos sistêmicos e mercadológicos- pode ser aproveitado por usos alternativos.
A internet, por exemplo, é majoritariamente usada e acessada para vendas, sites de sexo e bate-papo; seu uso com conteúdos não-comerciais (ou culturais) ocupa um pequeno espaço.
Mas daí a acreditar que as novas tecnologias de comunicação são veículos neutros é, a meu ver, um erro de avaliação. Mesmo no ambiente digital, continuamos consumidores de servidores e operadoras de telefonia fixa e móvel. Por favor, não tentem nos vender mais um "admirável mundo novo" para os próximos anos.
Portanto continua essencial mexer na política de concessões dos meios de comunicação existentes e dos que serão criados. O uso que faremos deles depende do acesso que tenhamos a esses meios. De outra forma, continuaremos a ocupar um espaço periférico na comunicação social.
Penso nos 99% da população condenados a uma TV aberta medíocre e às cadeias de rádio dominadas por grupos políticos e religiosos. Quero para já uma comunicação mais democrática, e isso não vem só através de mudanças tecnológicas. Gostaríamos de ver o Ministério da Cultura no corpo-a-corpo do Congresso, lutando por projetos de base, como uma revisão nos critérios de concessão de órgãos de comunicação. Lutando por um aperfeiçoamento da cobrança de direitos autorais.
Em seu artigo, Ronaldo Lemos nos oferece a descrição de um Paraíso na terra, ao relacionar uma série de iniciativas que se conjugariam ao fomento proposto pelo MinC, mas não diz como, com que dinheiro e quando alcançaremos essa terra prometida da cultura democratizada, um tanto idealizada em conceitos como "cultura livre". Soa como mais um documento de boas intenções que uma política factível.
Ao final, Lemos diz que: "Esperamos a oportunidade de acessarmos (e samplearmos) seu trabalho pela rede, com licença Creative Commons". Desde o ano passado, é possível acessar meu último CD, "Danças Brasileiras", na internet, que, aliás, já é copyleft.


Livio Tragtenberg é compositor


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