São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

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Descentralização para quebrar barreiras

RONALDO LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A resposta que escrevi a Livio Tragtenberg nesta Ilustrada no dia 9 de junho ressalta dois aspectos. O primeiro de que a convergência de mídias, trazida pela tecnologia digital e pela internet, torna obsoleto o debate tradicional sobre a concentração dos meios de comunicação. O segundo de que o Ministério da Cultura está ciente dessas transformações e tem definido suas políticas públicas em consonância com isso.
Quanto ao primeiro ponto, Livio afirma que, apesar dessas mudanças, o foco deve continuar na "revisão dos critérios de concessão de órgãos de comunicação". Ocorre que isso não é suficiente e não produzirá resultados práticos a longo prazo. Uma política cultural consciente deve reconhecer que a barreira entre produtores e consumidores de cultura está sendo superada; os blogs, fotologs, as redes sociais, o RSS, a Wikipedia e o software livre são apenas a superfície. O modelo a ser fomentado é não o da comunicação de "um para muitos", mas sim de "muitos para muitos". A cultura deve ser criada por todos, em tempo real e não apenas pelos órgãos de comunicação que recebem concessões governamentais, seja lá quem tenha acesso a eles.
Livio reclama, com razão apenas parcial, que a internet se transformou em um grande shopping center ou mercado negro. Se isso ocorreu, não foi por causa de quem controla a infra-estrutura física da rede. Houve, sim, concentração na estrutura lógica da rede (software) e nos conteúdos que trafegam por ela (protegidos por direito autoral). São esses elementos, insisto, que precisam ser descentralizados.
E, quando falo em internet, não me refiro aos 10% de brasileiros que têm acesso hoje a um computador ligado a ela. Refiro-me ao fato de que, nos próximos dez anos, nossa televisão e nossos aparelhos celulares (hoje são 50 milhões) serão a "internet". Essa é a mídia a ser "descentralizada" da forma descrita acima, com relevância para 100% dos brasileiros, sob pena de reproduzirmos o modelo do passado.
Quanto às políticas públicas do MinC, tive a oportunidade de trabalhar com a recém-criada área de cultura digital no lançamento do projeto Creative Commons (para quem não sabe o que é, basta assistir aos filmes em português no site mirrors.creativecommons.org). Há pelo menos dois projetos desenvolvidos por essa área que estão em sintonia com o modelo: os Pontos de Cultura, estúdios multimídia plugados na rede com software livre em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano, e a criação de um espaço digital para preservação e disseminação da cultura brasileira.
Por fim, não há "admirável mundo novo" nem "Paraíso na terra". Há apenas a necessidade de fazer algo em face de um pessimismo que aumenta na mesma medida em que é pequeno o número de pessoas que reconhece qual é o verdadeiro debate que importa.


Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV


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