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Descentralização para quebrar barreiras
RONALDO LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A resposta que escrevi a Livio Tragtenberg nesta Ilustrada no dia 9 de junho ressalta
dois aspectos. O primeiro de que a
convergência de mídias, trazida
pela tecnologia digital e pela internet, torna obsoleto o debate tradicional sobre a concentração dos
meios de comunicação. O segundo de que o Ministério da Cultura
está ciente dessas transformações
e tem definido suas políticas públicas em consonância com isso.
Quanto ao primeiro ponto, Livio afirma que, apesar dessas mudanças, o foco deve continuar na
"revisão dos critérios de concessão de órgãos de comunicação".
Ocorre que isso não é suficiente e
não produzirá resultados práticos
a longo prazo. Uma política cultural consciente deve reconhecer
que a barreira entre produtores e
consumidores de cultura está sendo superada; os blogs, fotologs, as
redes sociais, o RSS, a Wikipedia e
o software livre são apenas a superfície. O modelo a ser fomentado é não o da comunicação de
"um para muitos", mas sim de
"muitos para muitos". A cultura
deve ser criada por todos, em
tempo real e não apenas pelos órgãos de comunicação que recebem concessões governamentais,
seja lá quem tenha acesso a eles.
Livio reclama, com razão apenas parcial, que a internet se
transformou em um grande
shopping center ou mercado negro. Se isso ocorreu, não foi por
causa de quem controla a infra-estrutura física da rede. Houve,
sim, concentração na estrutura
lógica da rede (software) e nos
conteúdos que trafegam por ela
(protegidos por direito autoral).
São esses elementos, insisto, que
precisam ser descentralizados.
E, quando falo em internet, não
me refiro aos 10% de brasileiros
que têm acesso hoje a um computador ligado a ela. Refiro-me ao
fato de que, nos próximos dez
anos, nossa televisão e nossos
aparelhos celulares (hoje são 50
milhões) serão a "internet". Essa é
a mídia a ser "descentralizada" da
forma descrita acima, com relevância para 100% dos brasileiros,
sob pena de reproduzirmos o modelo do passado.
Quanto às políticas públicas do
MinC, tive a oportunidade de trabalhar com a recém-criada área
de cultura digital no lançamento
do projeto Creative Commons
(para quem não sabe o que é, basta assistir aos filmes em português
no site mirrors.creativecommons.org). Há pelo menos dois projetos desenvolvidos por essa área
que estão em sintonia com o modelo: os Pontos de Cultura, estúdios multimídia plugados na rede
com software livre em áreas de
baixo Índice de Desenvolvimento
Humano, e a criação de um espaço digital para preservação e disseminação da cultura brasileira.
Por fim, não há "admirável
mundo novo" nem "Paraíso na
terra". Há apenas a necessidade
de fazer algo em face de um pessimismo que aumenta na mesma
medida em que é pequeno o número de pessoas que reconhece
qual é o verdadeiro debate que
importa.
Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do
Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV
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