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GUILHERME WISNIK
Arenas do ritual contemporâneo
Arquitetura dos estádios
demonstra a preocupação
com o caráter midiático dos
eventos esportivos atuais
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PARA quem assistiu Dinamarca
2 x 0 Bulgária, na Eurocopa
2004, foi um espanto ver o paredão de pedra bruta atrás de um
dos gols. Projetado pelo arquiteto
português Eduardo Souto de Moura, o Estádio de Braga, que então se
inaugurava, foi implantado sobre
uma pedreira, deixando à vista sua
configuração "natural". O resultado,
apesar de impressionantemente
forte, foi questionado por aqueles
que acharam essa concessão cenográfica um tanto dispersiva para a
atmosfera do jogo. Ao que o arquiteto respondeu, com irônico realismo,
que o seu objetivo foi criar um belo
espetáculo para a TV, e que o futuro
do futebol é realizar-se em estúdios.
O Allianz Arena, de Munique, palco da abertura da Copa, e do jogo de
ontem entre Brasil e Austrália, é
também um estádio projetado com
alta consciência midiática. Inteiramente revestido por uma "péle"
translúcida e inflável, feita de 2.800
bolhas de ETFE (etil-tetra-fluor-etileno) que acendem homogeneamente em cores variáveis, o estádio
parece um zepelim iluminado e calmamente pousado, em contraste
com o relevo dos alpes, ao fundo.
Projetado pelos arquitetos suíços
Jacques Herzog e Pierre de Meuron
(H&deM), vencedores do Prêmio
Pritzker em 2001, o Allianz é uma
autêntica arena moderna. Diferentemente do estádio de Berlim, em
que as escadarias monumentais esfriam a emoção da partida, e de centros de espetáculos multi-uso com
coberturas móveis, como Gelsenkirchen, a Arena de Munique é um anel
fechado sem pirotecnia em seu espaço interno. Sem pista de atletismo, e com arquibancadas muito inclinadas que terminam rente às
"quatro linhas", o estádio é uma rotunda que, como o Coliseu, propicia
uma concentrada devoção ao espetáculo de vida e morte que ali se joga
em ritual de presentificação carnal.
Por outro lado, externamente é
um volume pneumático cuja imaterialidade anula o peso da construção. Nesse sentido, nega uma longa
tradição de projetos de estádios que
tomam partido da grande escala para construir obras em que o desenho
da estrutura é a expressão das cargas
a que está submetida.
É também de H&deM o projeto do
Estádio Nacional de Pequim, em
construção para as Olimpíadas
2008. Ali, ao contrário, o volume é
uma trama estrutural de concreto
armado inteiramente vazada, como
o arranjo aleatório de gravetos que
formam um ninho de pássaro. Eminentemente simbólicos, os projetos
da dupla suíça recorrem tanto a imagens artesanais e biomórficas quanto a referentes tecnológicos. Mas em
ambos, é evidente o domínio sobre a
dimensão espetacular dessas arenas, que, como os museus, se tornaram as vedetes do "circo" midiático
e transnacional contemporâneo.
Quanto ao prognóstico de Souto
de Moura, o que podemos reter, às
avessas, é a idéia de que o jogo precisa ser disputado para ser efetivamente ganho. Entorpecidos por
uma certeza prévia de vitórias, que
se alastra feito praga pela mídia, nós
(a torcida brasileira) agimos como
se cada jornada de um craque de futebol não tivesse parentesco com o
destino incerto dos gladiadores romanos.
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