São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008

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Comida

Pernambuco com açúcar

Doçaria do Estado é celebrada em restaurantes paulistanos, que servem delícias históricas como o bolo Souza Leão e o bolo-de-rolo

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi num engenho de açúcar, no interior de Pernambuco, que nasceu um dos bolos mais emblemáticos da culinária nordestina, o Souza Leão. Receita familiar mantida em sigilo por muitos anos, o bolo foi reconhecido no início deste mês como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado -ao lado de outro orgulho pernambucano, o bolo-de-rolo.
A partir de hoje, os dois -e também o bolo pé-de-moleque, as compotas de caju e de jaca e sequilhos nordestinos, como o tareco e a garra sertaneja, além de pratos salgados- poderão ser provados no restaurante paulistano Obá. Até o dia 29, a cozinheira Beth Ithamar vai preparar as delícias do Estado que ela, paraibana, adotou ainda jovem.

Poder e riqueza
"Durante quatro séculos, a economia foi baseada na cana e, evidentemente, o desenvolvimento dessa doçaria [pernambucana] foi natural", explica à Folha o historiador Evaldo Cabral de Mello. "Até meados do século 17, o Brasil tinha praticamente um monopólio da produção de açúcar."
Segundo o chef Francisco Rebêlo, professor da Universidade Anhembi-Morumbi, por meio de uma mesa farta em doces, mostrava-se poder e riqueza. "No início do ciclo da cana, o açúcar era caro, restrito a poucos. Não tinha essa fartura de hoje. Sem falar no lado lúdico. Oferecer um doce representa mais que oferecer qualquer outro alimento, porque você manifesta afeto e carinho, como se estivesse dando um abraço, matando a carência", diz.
Em "Açúcar", Gilberto Freyre conta que conseguiu várias receitas do Souza Leão, todas com contradições entre si, a ponto de ficar em dúvida sobre a "existência de um bolo Souza Leão ortodoxo". "Consegui-as quase como quem violasse segredos maçônicos", escreveu.
Em todas, no entanto, estão sempre presentes um bom tanto de açúcar (a parcimônia passa longe), gemas, leite de coco e massa de mandioca (a puba, do tupi fermentado). O que varia de uma para a outra são as quantidades e, ocasionalmente, a adição de um ingrediente.

Malas de comida
Foi por saudade do Souza Leão e do bolo-de-rolo -numa explicação um tanto romântica, mas justificada- que três pernambucanos radicados em São Paulo tiveram a idéia de abrir aqui um restaurante onde estes e outros sabores do Estado tivessem sempre ao alcance do boca. "A gente sempre mandava buscar malas de comida", conta Adriana Barros, uma das sócias do Cordel.
Hoje, até o trabalhoso bolo-de-rolo -em que camadas finíssimas de uma massa de farinha de trigo, manteiga, ovos e açúcar são espalhadas em assadeiras baixas e, depois, enroladas com doce de goiaba- é feito no próprio restaurante.
No restaurante Mocotó, as compotas de jaca e de caju, "importadas" do sertão pernambucano, de onde veio o fundador da casa, Zé Almeida, ganharam há menos de um mês a companhia de um pudim de tapioca com calda de coco queimado. "Eu quero ver o povo comendo pudim de tapioca. A vida não é só pudim de leite, não", brinca o chef Rodrigo Oliveira.
No cardápio do café pernambucano que o chef planeja abrir na Vila Medeiros (junto do Mocotó), não faltarão, diz ele, outros doces do Estado, como o Souza Leão, o bolo-de-rolo e bolo pé-de-moleque. "Tradicionalmente, quem os consumia era a parte aristocrática de Pernambuco. No sertão, quem mandava eram os bolos de puba e os doces de corte."


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