São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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DISCO LANÇAMENTO
Quinteto Violado encontra mangue beat

Lili Martins/Folha Imagem
Os membros do Quinteto Violado, grupo que tem 27 anos e está lançando "Farinha do Mesmo Saco", com músicas de autores do mangue beat


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Movendo-se no terreno na música típica pernambucana, o Quinteto Violado, 27, afronta a tradição mais uma vez.
Se há dois anos o grupo dedicou "Quinteto Canta Vandré" à obra do proscrito compositor paraibano dos anos 60 Geraldo Vandré, em 1999 desrespeita os cânones do movimento armorial -a tradição de música local pura, orquestrada pelo também dramaturgo Ariano Suassuna-, gravando, em "Farinha do Mesmo Saco", os jovens autores da geração mangue beat.
Há duas reinterpretações de Chico Science & Nação Zumbi -"Coco Dub" e "Macô"- e uma inédita -"Ligação Direta"- de Fred Zero Quatro, líder do Mundo Livre S/A e antagonista do establishment armorial de Recife (leia abaixo comentário de Zero Quatro sobre o encontro inesperado com o Quinteto Violado).
Aparecem ainda no disco canções pop "modernas" de Lenine ("Leão do Norte" e "Miragem") e dos grupos Querosene Jacaré ("Pra Ficar Xique") e Coração Tribal ("Guerreiro de Lança").
Para provar que, como reza o conceito do título, tudo é farinha do mesmo saco, o repertório se completa com um pot-pourri de Jackson do Pandeiro, Djavan ("Violeiros"), Caetano Veloso ("O Ciúme") e até a "oxente music" do Mastruz com Leite ("Venham Mais Cinco").
"Farinha do Mesmo Saco" dá prosseguimento a trajetória obstinada de pesquisa da música nordestina, iniciada em 1972 com o projeto "Música Popular do Nordeste", conduzido pelo pesquisador Marcus Pereira.
No mesmo ano, o Quinteto Violado estreou numa "major" (a Philips, agora Universal), atraindo atenções com uma releitura a um tempo tradicional e modernizadora de "Asa Branca", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Marginalizado a partir do início dos 80, quando foi ejetado da grande indústria fonográfica, o conjunto mantém atividade ininterrupta desde então, quase sempre no circuito independente -desde 96, integra o elenco da pequena gravadora Atração, que abriga também rebeldes como Jards Macalé e Itamar Assumpção e vendeu 80 mil cópias de "Quinteto Canta Vandré", mesmo sem apoio da mídia.
Da formação original, restam o violonista Marcelo Melo, 52, e o baixista Toinho Alves, 56, que preferem não se definir tradicionalistas. "Nossa trajetória é de uma proposta musical, de uma valorização que termina sendo a do homem brasileiro", define Marcelo.
"O Quinteto veio para quebrar a estrutura de triângulo, sanfona e zabumba. O objetivo era tornar a música nordestina mais universal do ponto de vista harmônico", completa Toinho.
"Foi muito cobrado o folclorismo da gente, mas não tem nada a ver. O Quinteto Armorial é que faz questão de recuperar a tradição. Não queremos provar que o Nordeste foi influenciado por Vivaldi, isso já está lá", continua.
"A linguagem do Quinteto é atemporal, como a dos Mutantes, de muitos grupos. Fomos acompanhando os acontecimentos do mundo, as mudanças de comportamento. Acabamos exercendo influência junto a juventudes que iniciavam carreira inspiradas em elementos de cultura original. Isso chegou até o Chico Science, com uma estética nova dentro de uma proposta iniciada pelo Quinteto", completa Marcelo, justificando a ponte com o mangue beat.
"Otto fez um disco de rap, mas lá estão contidas as coisas regionais. O Quinteto não quis "nordestinizar" a música, como se disse. A proposta era que cada lugar fizesse o seu. O universal é a resultante de todas as regionais", diz Toinho.
E a "rebeldia" de Zero Quatro, criticando o oficialismo monopolista da cultura armorial? "Há uma certa lamúria", diz Marcelo. "É reação normal de quem busca uma leitura nova, busca a compreensão e não acha. Aí há um choque. É falta de aproximação, fica cada um numa ilha", afirma Toinho.
Exceto por coletâneas -a EMI acaba de lançar um volume dedicado ao Quinteto na série "Raízes Nordestinas"-, não há catálogo da primeira fase do conjunto.
"São trabalhos documentais importantes. A procura é muito grande, mas eles não deixam no catálogo", conta Marcelo. "Fizemos uma proposta para comprar todo nosso catálogo da Universal, mas disseram que não interessava. Eles nem vendem, nem lançam", queixa-se Toinho. "Estamos pensando em gravar tudo de novo."


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