São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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LITERATURA
'Cabra-Cega' é 'pulp fiction' que não deu certo

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

"Cabra-Cega", de Carlos Nascimento Silva, ganhador do Prêmio Jabuti de Livro do Ano na categoria ficção, é um "pulp fiction" que não deu certo. Por que, então, levou o prêmio?
Provavelmente por causa do livro anterior de Nascimento Silva, "A Casa da Palma" (Relume-Dumará), de 95, premiado pela União Brasileira de Escritores e pela Associação Paulista de Críticos de Arte naquele ano.
Um dos três jurados da categoria para o Jabuti confirmou a escolha com base na primeira obra do escritor. "Gosto mais de "A Casa da Palma", não gosto tanto desse livro, mas premiei pela qualidade de ambos", disse Muniz Sodré, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Outro membro do júri, o escritor Duílio Gomes, opinou que a obra "tem altos e baixos", mas foi guiado na escolha "pelo olho da novidade, pela fuga da ficção que se faz no Brasil de realismo puro".
Os jurados fizeram uma lista com dez títulos para o Jabuti. A escolha final é feita por representantes das editoras.
"Cabra-Cega" começa bem. A história movimenta personagens em quatro cidades -duas brasileiras e duas norte-americanas. Os personagens têm, ao mesmo tempo, uma visão parapsicológica de um crime que ocorre nos Estados Unidos.
Pura "pulp fiction". E Nascimento Silva não esconde, citando o detetive Shell Scott, de Richard S. Prather, sucesso nos 50 e 60, como leitura favorita de um dos personagens, como já foi também a sua.
A personagem Marcella, envolvida em um excitante mistério sadomasoquista, é um dos pontos altos do livro. Os demais personagens também estão muito bem construídos.
O autor se perde na trama, porém, quando começa a misturar a ficção com opiniões políticas sobre o movimento militar de 64 e os acontecimentos que acontecem simultaneamente no mundo.
Os diálogos ganham um didatismo forçado, que começa a chatear o leitor. Não bastassem as exaustivas epígrafes, força a mão em estatísticas e dados históricos mal inseridos no contexto.
Alguns problemas estilísticos chegam a beirar o ridículo -como quando repete diversas vezes a expressão "plexo solar" ou quando tenta reproduzir o sotaque paulistano, escrevendo "depeiiinde" em lugar de depende e "seteiiinta" para setenta.
Erra ainda na continuidade, ao colocar um personagem que só fala inglês fazendo um trocadilho em português: "Há um sentimento que me "preoculpa'". A brincadeira do final fica para o leitor conferir -boba ou divertida?
O próprio autor, ouvido pela Folha, admitiu a superioridade de "A Casa da Palma" sobre "Cabra-Cega". "Não sei qual é a forma de julgamento, se é pela obra ou pelo conjunto. O outro livro tem fabulação mais forte", declarou.
É exatamente o ponto: um pouquinho mais de fabulação e "Cabra-Cega" seria um bom livro.


Avaliação:   

Livro: Cabra-Cega Autor: Carlos Nascimento Silva Lançamento: Relume-Dumará Quanto: R$ 25,00 (250 págs.)

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