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Crítica/ "Os Irmãos da Família Toda"
Apesar da cópia ruim, filme de Yasujiro Ozu é uma preciosidade
Com deficiências de som, chega às lojas nova edição
de filme de um dos maiores nomes do cinema japonês
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não espere perfeição de
"Os Irmãos da Família
Toda". A cópia que a
Lume propõe não parece ter
passado por restauro recente e
as deficiências do som são evidentes.
Mas este Yasujiro Ozu de
1941 parece ilustrar um momento particular na obra do
grande cineasta. Ao voltar da
guerra na China, onde era soldado raso (embora não tenha
combatido), esse foi o primeiro
filme que pôde levar até o fim.
Foi feito pouco antes de o Japão entrar na Segunda Guerra
e, segundo o próprio Ozu, foi
aqui que encontrou o seu modelo de drama familiar.
Tudo começa com o encontro reunindo toda a família, seguido pela morte inesperada do
pai e então o problema: a filha
solteira decide ficar com a mãe.
Num primeiro momento, vão
morar com as famílias dos irmãos casados, o que se revela
um desastre. Optam, então, por
morar sozinhas numa pobre
casa de praia.
A ideia do sacrifício, que veremos em muitos filmes posteriores, se impõe. Não é, como
havia feito antes, o sacrifício de
uma mãe para que um filho se
forme. É a renúncia à vida da filha que partilha o mesmo destino da mãe.
Ao mesmo tempo, vemos em
germe o tipo de relação que
Ozu desenvolverá e de que criará variantes ao longo dos próximos 20 anos: os interesses pessoais se sobrepondo aos coletivos, o incômodo causado pela
presença de estranhos na casa
de alguém despertando sentimentos egoístas etc.
Esse é o chão sobre o qual
Ozu trabalha e que certamente
fascinará os que acompanham
sua obra (sobretudo, mas também os que não acompanham).
É como se víssemos em germe
uma mistura de "Pai e Filha" e
"Era uma Vez em Tóquio".
A isso se acrescentará a presença muito particular do filho
menor. Tido por irresponsável,
após a morte do pai consegue
emprego na Manchúria (território chinês sob ocupação japonesa, portanto) e se afasta da
família e de suas picuinhas.
A simples menção à Manchúria provoca um interessante
desequilíbrio no conjunto: evoca a guerra que Ozu não toma
por tema, pela qual não se interessou nem mesmo quando foi
soldado. Ora, esse sujeito de fora, afastado, é que notará as pequenas perversidades (e seus
terríveis efeitos) da vida familiar. Pode-se alegar que Ozu fez
melhor no futuro. É verdade.
Mas a presença do jovem e
intrépido Shinichiro e sua crítica contundente desmentem a
ideia de um Ozu conformista
em relação aos rumos da convivência entre as pessoas (e familiares em particular). Se seus
personagens se calarão no futuro, talvez seja porque o autor
pretendia que nós, espectadores, percebêssemos por nós
mesmos essas pequenas perversões do cotidiano, em vez de
usar um personagem para chamar a atenção do público (e dos
demais personagens).
Em poucas palavras: "Família Toda" é uma preciosidade,
sim, é filme que dará grande
prazer ao espectador, apesar da
cópia não estar em condições
perfeitas.
OS IRMÃOS DA FAMÍLIA TODA
Direção: Yasujiro Ozu
Lançamento: Lume Filmes (R$ 49,90;
classificação não informada)
Avaliação: bom
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