São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/ "Os Irmãos da Família Toda"

Apesar da cópia ruim, filme de Yasujiro Ozu é uma preciosidade

Com deficiências de som, chega às lojas nova edição de filme de um dos maiores nomes do cinema japonês

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não espere perfeição de "Os Irmãos da Família Toda". A cópia que a Lume propõe não parece ter passado por restauro recente e as deficiências do som são evidentes.
Mas este Yasujiro Ozu de 1941 parece ilustrar um momento particular na obra do grande cineasta. Ao voltar da guerra na China, onde era soldado raso (embora não tenha combatido), esse foi o primeiro filme que pôde levar até o fim.
Foi feito pouco antes de o Japão entrar na Segunda Guerra e, segundo o próprio Ozu, foi aqui que encontrou o seu modelo de drama familiar.
Tudo começa com o encontro reunindo toda a família, seguido pela morte inesperada do pai e então o problema: a filha solteira decide ficar com a mãe.
Num primeiro momento, vão morar com as famílias dos irmãos casados, o que se revela um desastre. Optam, então, por morar sozinhas numa pobre casa de praia.
A ideia do sacrifício, que veremos em muitos filmes posteriores, se impõe. Não é, como havia feito antes, o sacrifício de uma mãe para que um filho se forme. É a renúncia à vida da filha que partilha o mesmo destino da mãe.
Ao mesmo tempo, vemos em germe o tipo de relação que Ozu desenvolverá e de que criará variantes ao longo dos próximos 20 anos: os interesses pessoais se sobrepondo aos coletivos, o incômodo causado pela presença de estranhos na casa de alguém despertando sentimentos egoístas etc.
Esse é o chão sobre o qual Ozu trabalha e que certamente fascinará os que acompanham sua obra (sobretudo, mas também os que não acompanham).
É como se víssemos em germe uma mistura de "Pai e Filha" e "Era uma Vez em Tóquio". A isso se acrescentará a presença muito particular do filho menor. Tido por irresponsável, após a morte do pai consegue emprego na Manchúria (território chinês sob ocupação japonesa, portanto) e se afasta da família e de suas picuinhas.
A simples menção à Manchúria provoca um interessante desequilíbrio no conjunto: evoca a guerra que Ozu não toma por tema, pela qual não se interessou nem mesmo quando foi soldado. Ora, esse sujeito de fora, afastado, é que notará as pequenas perversidades (e seus terríveis efeitos) da vida familiar. Pode-se alegar que Ozu fez melhor no futuro. É verdade.
Mas a presença do jovem e intrépido Shinichiro e sua crítica contundente desmentem a ideia de um Ozu conformista em relação aos rumos da convivência entre as pessoas (e familiares em particular). Se seus personagens se calarão no futuro, talvez seja porque o autor pretendia que nós, espectadores, percebêssemos por nós mesmos essas pequenas perversões do cotidiano, em vez de usar um personagem para chamar a atenção do público (e dos demais personagens).
Em poucas palavras: "Família Toda" é uma preciosidade, sim, é filme que dará grande prazer ao espectador, apesar da cópia não estar em condições perfeitas.


OS IRMÃOS DA FAMÍLIA TODA
Direção:
Yasujiro Ozu
Lançamento: Lume Filmes (R$ 49,90;
classificação não informada)
Avaliação: bom



Texto Anterior: Mistério continua na parte dois
Próximo Texto: Crítica/"Epitáfios": Com tropeços, série persegue maturidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.