São Paulo, terça, 19 de agosto de 1997.



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Morrisey

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Acaba de chegar às lojas de discos do mundo (no Brasil, para variar, só em setembro, pela PolyGram) "Maladjusted", nova tentativa solo de Morrissey, 38, ex-líder da banda de rock mais cultuada dos anos 80, os Smiths.
Traz, ainda, aquilo tudo que fez hordas de adolescentes e adultos acreditarem que, em plenos 80, estavam ainda no século passado, padecendo dos males do século que afligiram os românticos.
Traz, ainda, aquilo tudo que Morrissey sempre concretizou: a música chata mais encantadora do mundo. "Maladjusted" é exemplar nesse sentido. Muito inclinado ao rock pesado, é outra coleção de canções em que Morrissey apenas salta pela melodia, subjugando-a na maior parte do tempo.
Em "Alma Matters", por exemplo, todo o poder melódico concentra-se num só verso ("body and soul"); no mais, é só discurso.
Não se trata, nunca, de pouca inspiração à melodia. O próprio Morrissey solo, que tantos julgam indigno do líder messiânico dos Smiths, já impregnou o mundo de melodia, em "Vauxhall and I" (94), auge de sua produção.
De lá em diante, planta-se indisposto à melopéia pop. "Maladjusted" segue sem refrões, entre rocks fora de moda ("Papa Jack", que termina com Morrissey imitando David Bowie imitando Jimi Hendrix), caipirice ("Roy's Keen") e ai-ai-ais de uma Dalva de Oliveira rock ("He Cried").
Acontece um ou outro baladão desgarrado, caso de "Trouble Loves Me", de um Morrissey imitando David Bowie imitando Elton John em "Life on Mars?"; ou, mais simplesmente, imitando Elton John em "Empty Garden".
Bem, e há o discurso, sim. Mais lamurioso que nunca, Morrissey é poeta. Não entrega nada do nível de "Why Don't You Find Out for Yourself" (94) -aquela do vidro escondido na grama (em inglês, "you'll see the glass hidden in the grass")-, mas ainda afaga a sonoridade das palavras ("so console me", de "Trouble Loves Me").
Discurso estilístico é então sobrepujado pelo que Morrissey sabe fazer de melhor -e que, incrivelmente, tem levado multidões à loucura-: discurso político.
É onde aflora, uma vez mais, a dilatada disposição gay. O Morrissey de "Maladjusted" é explícito na faixa mais pomposa e cafona do CD, "Ambitious Outsiders".
Expele as sílabas de abundantes declarações políticas: "Estamos na rua, mas você não nos vê"; "não nos subestime"; "estamos mantendo baixa a taxa de população"; "a culpa é sua, porque se reproduz". Precisa ser mais claro?
Menos humorada é a valsa sadomasoquista "Sorrow Will Come in the End", praga rancorosa rogada (talvez aos mesmos alvos da anterior) em forma de música.
Assim é o herói neo-romântico, imbatível ainda. Continuará a um tempo submetendo público dócil a discurso sarcástico e vivendo como se estivesse atrasado um século, imerso na busca da própria dor. Morrissey é artista da antiga.

Disco: Maladjusted Artista: Morrissey Lançamento: Mercury (importado) Quanto: R$ 23 Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)


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