São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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CDS

CRÍTICA/MPB


Novo disco, "Cru" afirma tendência a "brasileiro para exportação"

Obsessão "favela chic" retira força musical de Seu Jorge

DA SUCURSAL DO RIO

Como cantor e compositor, Seu Jorge é cada vez mais um ator. Não porque atue em vários filmes ("Cidade de Deus", "Casa de Areia", o norte-americano "A Vida Marinha de Steve Zissou" etc.), mas por estar em campanha para se firmar como um "brasileiro para exportação".
Negro de infância pobre, músico autodidata, poliglota improvisado, supostamente bonito, versátil (ator, cantor...), sambista e pop ao mesmo tempo, Seu Jorge serve bem como "matéria-prima exótica" para a ala da indústria cultural primeiro-mundista que se diz independente. Ele poderia ser mais do que isso, mas parece estar gostando do papel.
Em "Cru", seu novo CD, ele, "cosmopolita", grava (sem empolgar) em italiano, inglês e faz uma versão de "Chatterton", do francês Serge Gainsbourg. Seu Jorge não tem mais tempo para se prender a fronteiras. "Em um período de descanso entre trabalhos no Brasil e [em] Hollywood, Jorge foi à França recarregar suas baterias e gravou seu novo álbum", assinala o release do disco.
Ele se cercou de poucos músicos para fazer um "surpreendente e intimista álbum" (sempre o release), gravando versões acústicas de seus sucessos "Mania de Peitão" -uma bobagem metida a crítica comportamental, na qual a clássica "Ai que Saudades da Amélia" (Ataulfo Alves/Mário Lago) entra de gaiata- e "São Gonça", esta uma boa música.
Artista de brilho tão intenso que desafia a semântica, Seu Jorge mostra em "Cru" uma "extraordinária simplicidade". Ou seja, é tão simples, tão cool, tão cru que se torna superlativo, na visão constrangedora do release, que, salvo escrito por algum "delúbio" autônomo, é também a visão que o cantor tem de si mesmo hoje.
"Seu Jorge, um brasileiro de 35 anos, é um homem elegante e cheio de estilo, do tipo que se sobressai na multidão. Uma figura que tem a habilidade de transformar sua simples camiseta em "roupa de festa" e vice-versa: ele se sente em casa em qualquer situação, e costuma influenciar na decoração de um ambiente apenas com sua presença...".
O parágrafo acima, o primeiro do release, soa como uma declaração de princípios do atual Seu Jorge, aquele que se fascina com o próprio "sucesso internacional" e vai esvaziando sua força musical.
Esta existe, sim, e aparece, por exemplo, na interpretação da bela canção romântica "Bola de Meia" (de Duani); no canto de "Una Mujer" (Robertinho Brant/Murilo Antunes), em que as pitadas de espanhol complementam o cortejo ao público internacional; e em "Eu Sou Favela", um grande samba de Noca da Portela e Sérgio Mosca que, agora, já soa meio deslocado na voz de Seu Jorge.
"Sua infância nas favelas cariocas o deixou com um certo envolvimento político...", diz o release. Esse "certo" diz mais sobre o momento de Seu Jorge do que deve perceber quem escreveu o texto.
Talvez não por acaso, o CD é produzido por Gringo da Parada, fundador do bar e restaurante Favela Chic, de Paris. Seu Jorge, que tem passado boa parte de seus dias "recarregando as baterias" na França, vem se tornando isso: um "favela-chique".
Não que ele tenha de ser "favela-marginal", cultuando uma visão autocomiserativa que só serve -como acontece com sambistas que a adotam- para reforçar estigmas e guetos. Mas seria bom ver seu talento transformando-o em alguém forte (artisticamente, não como peça de decoração). Ao que parece, ele prefere ser um personagem. E este não é bom. Pior para nós. (LFV)


Cru
 
Artista: Seu Jorge
Gravadora: ST2
Quanto: R$ 24, em média


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