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CDS
CRÍTICA/MPB
Novo disco, "Cru" afirma tendência a "brasileiro para exportação"
Obsessão "favela chic" retira força musical de Seu Jorge
DA SUCURSAL DO RIO
Como cantor e compositor, Seu
Jorge é cada vez mais um ator.
Não porque atue em vários filmes
("Cidade de Deus", "Casa de
Areia", o norte-americano "A Vida Marinha de Steve Zissou" etc.),
mas por estar em campanha para
se firmar como um "brasileiro para exportação".
Negro de infância pobre, músico autodidata, poliglota improvisado, supostamente bonito, versátil (ator, cantor...), sambista e
pop ao mesmo tempo, Seu Jorge
serve bem como "matéria-prima
exótica" para a ala da indústria
cultural primeiro-mundista que
se diz independente. Ele poderia
ser mais do que isso, mas parece
estar gostando do papel.
Em "Cru", seu novo CD, ele,
"cosmopolita", grava (sem empolgar) em italiano, inglês e faz
uma versão de "Chatterton", do
francês Serge Gainsbourg. Seu
Jorge não tem mais tempo para se
prender a fronteiras. "Em um período de descanso entre trabalhos
no Brasil e [em] Hollywood, Jorge
foi à França recarregar suas baterias e gravou seu novo álbum", assinala o release do disco.
Ele se cercou de poucos músicos
para fazer um "surpreendente e
intimista álbum" (sempre o release), gravando versões acústicas de
seus sucessos "Mania de Peitão"
-uma bobagem metida a crítica
comportamental, na qual a clássica "Ai que Saudades da Amélia"
(Ataulfo Alves/Mário Lago) entra
de gaiata- e "São Gonça", esta
uma boa música.
Artista de brilho tão intenso que
desafia a semântica, Seu Jorge
mostra em "Cru" uma "extraordinária simplicidade". Ou seja, é
tão simples, tão cool, tão cru que
se torna superlativo, na visão
constrangedora do release, que,
salvo escrito por algum "delúbio"
autônomo, é também a visão que
o cantor tem de si mesmo hoje.
"Seu Jorge, um brasileiro de 35
anos, é um homem elegante e
cheio de estilo, do tipo que se sobressai na multidão. Uma figura
que tem a habilidade de transformar sua simples camiseta em
"roupa de festa" e vice-versa: ele se
sente em casa em qualquer situação, e costuma influenciar na decoração de um ambiente apenas
com sua presença...".
O parágrafo acima, o primeiro
do release, soa como uma declaração de princípios do atual Seu
Jorge, aquele que se fascina com o
próprio "sucesso internacional" e
vai esvaziando sua força musical.
Esta existe, sim, e aparece, por
exemplo, na interpretação da bela
canção romântica "Bola de Meia"
(de Duani); no canto de "Una
Mujer" (Robertinho Brant/Murilo Antunes), em que as pitadas de
espanhol complementam o cortejo ao público internacional; e em
"Eu Sou Favela", um grande samba de Noca da Portela e Sérgio
Mosca que, agora, já soa meio
deslocado na voz de Seu Jorge.
"Sua infância nas favelas cariocas o deixou com um certo envolvimento político...", diz o release.
Esse "certo" diz mais sobre o momento de Seu Jorge do que deve
perceber quem escreveu o texto.
Talvez não por acaso, o CD é
produzido por Gringo da Parada,
fundador do bar e restaurante Favela Chic, de Paris. Seu Jorge, que
tem passado boa parte de seus
dias "recarregando as baterias" na
França, vem se tornando isso: um
"favela-chique".
Não que ele tenha de ser "favela-marginal", cultuando uma visão
autocomiserativa que só serve
-como acontece com sambistas
que a adotam- para reforçar estigmas e guetos. Mas seria bom
ver seu talento transformando-o
em alguém forte (artisticamente,
não como peça de decoração). Ao
que parece, ele prefere ser um personagem. E este não é bom. Pior
para nós.
(LFV)
Cru
Artista: Seu Jorge
Gravadora: ST2
Quanto: R$ 24, em média
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