São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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ROCK

Billy Corgan faz análise em público

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de qualquer consideração sobre "The Future Embrace", o tristonho primeiro disco solo de Billy Corgan, 38, um resumo de uma história também tristonha, retirada do diário em seu site (ela se faz necessária para melhor apreciação do CD):
Aos sete anos, o pequeno Bill era um garoto ansioso. Em uma noite fria, pensou em fugir de casa. Não agüentava mais o tenso intervalo entre uma surra de cinta e outra que tomava regularmente do pai. Nos momentos tranqüilos, Bill pai ficava chapado assistindo à TV, com o filho ao lado. Um dos raros programas decentes era o que mostrava shows de rock. A partir daí, o menino vislumbrou um novo mundo.
Anos mais tarde, já homem feito e agora conhecido como Billy, ele é a cabeça careca do Smashing Pumpkins, a banda americana de rock mais importante dos anos 90, após o fim do Nirvana. Dono de uma vida de melancolia e tristeza sem fim, criou para si a imagem de perfeccionista, difícil e egocêntrico. O passado explica (e justifica) essa personalidade?
Como qualquer mortal faz em momentos de crise, Corgan agora busca soluções. Escolheu a psicanálise. O detalhe é que, em vez de deitar em um divã particular, revê seus traumas tendo o público como espectador. É assim nas letras confessionais de "Future", em seu site (www.billycorgan.com), em suas investidas literárias -lançou livro de poesias no ano passado- e no material de divulgação do disco.
Em estilo grandiloqüente, como é de seu feitio, comprou página inteira de anúncio em um jornal de Chicago para anunciar o lançamento do disco nos EUA, em junho passado. Nele, explica seu estado de espírito ("O que realmente tenho tentado fazer é encontrar aquela mesma criança novamente, aquela que acreditava que podia mudar o mundo com uma música") e dá a notícia que importa de fato: uma possível volta do Pumpkins, que terminou em 2000 ("Há um ano mantenho um segredo. Mas, agora, quero que vocês sejam os primeiros a saber que tenho planos de renovar e reviver o Smashing Pumpkins. Quero minha banda de volta, minhas músicas e meus sonhos").

Influências góticas
Enquanto isso não acontece, na sessão de análise que é "The Future Embrace", Corgan dá forma ao seu discurso do começo desta década, quando decretou a morte do rock e apontou a eletrônica como o Eldorado da música. Entram em rota de colisão seu vocal esganiçado e as programações de bateria eletrônica que o guiam para o coração sombrio dos anos 80, algo que o Pumpkins já fizera em "Adore" (1998). Afasta-se, assim, do surto de felicidade que foi sua última banda, o já extinto Zwan.
"Mina Loy (M.O.H.)" e "DIA" exibem guitarras e ambientações góticas que parecem ter saído de bandas da datada gravadora 4AD, como Cocteau Twins, enquanto a lenta "To Love Somebody", cover transfigurada do Bee Gees, tem a participação do ícone Robert Smith (a música lembra faixas de "Disintegration", disco que marcou a retomada deprê do Cure em 1989). "A100" é puro Depeche Mode na fase "Music for the Masses" (1987), ou seja, tecnopop para quem só sai à noite usando óculos escuros. Em sua maioria, são faixas que prometem muito em suas introduções, mas que carecem de um desenvolvimento que garanta boas melodias; prevalece, no entanto, a estrutura de canções de rock, ainda que "The Camera Eye" roce o drum'n'bass.
Nas letras, Corgan volta à infância ("Todas as coisas mudam/ nunca tenho certeza sobre o que vale a pena lutar", canta em "All Things Change"); em depoimentos no site, filosofa sobre o que pode vir pela frente ("o maior pecado na vida é não apreciar as oportunidades que surgem"; "é lenda acreditar que a dor é necessária para criar arte"). "The Future Embrace" funciona mais como um passatempo para fãs, nem que seja para rir dessa mania tola de Corgan, homem grande, de ficar imitando Nosferatu -poses que preenchem as fotos do encarte.


The Future Embrace
  
Artista: Billy Corgan
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 38, em média


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