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"ALILA"
Gitai ergue com fraturas um país sólido
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Nos filmes mais conhecidos
de Amos Gitai temos visto
Israel, até aqui, como Estado de
exceção: nas guerras com os vizinhos árabes (1848 e 1973), ou do
bairro dos fanáticos religiosos.
"Alila" nos traz uma outra perspectiva. Israel é, aqui, um país de
imigrantes chineses ilegais parados na esquina à espera de trabalho, de jovens dispostos a desertar
do serviço militar, de brigas de vizinhos. Um país com cidades. Tel
Aviv, no caso, com sua arquitetura, suas cores, cortiços, praças.
Um país normal, ou quase.
Quase porque, visto de perto,
nenhum país é normal, e Israel
tem peculiaridades que chamam
a atenção. Uma delas: um sobrevivente do Holocausto talvez seja
reverenciado em outro país. Afinal, todos se culpam um pouco
pelo que aconteceu na Segunda
Guerra. Para a vizinha que constrói um puxadinho ilegal no apartamento ao lado do sobrevivente
Schwartz, nada disso: é apenas
um velho incômodo que reclama
do barulho de sua obra. Essa vizinha, por sinal, trabalha na polícia.
Nessa mesma construção, o militar Hezi alugou um quarto para
ter relações com sua amante, Gabi. Aqui, o que importam são os
mistérios. Hezi encontra-se com
Gabi quando quer, exige-lhe que
não faça perguntas. Mas Gabi insiste em gritar durante a relação
sexual, de maneira que meia Tel
Aviv está a par da vida do casal.
Existem ainda Ezra, empreiteiro
recém-divorciado, e Gabi, sua
mulher. Ou melhor: Ezra, Gabi e
ainda Eyal, o filho desertor...
Essa quantidade de personagens poderia tender à crônica
mais ou menos colorida, mas
também inconseqüente sobre a
vida numa cidade. Gitai está longe
de permitir que isso aconteça.
Além de darem conta de uma cidade israelense em pleno funcionamento, essas histórias dão conta de relações de força, de disputas
mais ou menos permanentes.
São assim as relações entre Hezi
e Gabi, ex-marido e ex-mulher, o
pai patriota e o filho desertor. Porque esse país em conflito mais ou
menos perpétuo com seus vizinhos árabes também vive disputas internas de que nem sempre
temos conhecimento. O conflito
talvez seja a alma de Israel -essa
a questão de um país que abriga
gente do mundo todo, entre judeus e não-judeus: tradições e experiências diferentes que têm de
se acomodar no mesmo espaço.
O desafio de mostrar esse país
normalizado não era pequeno.
Amos Gitai enfrentou-o, como de
costume, a poder de planos longos, calmos, de uma observação
paciente e acolhedora de alguns
de seus habitantes. Chegamos ao
final com a imagem surpreendente de um país ao mesmo tempo
sólido e cheio de fraturas, dotado
de uma normalidade que parece
se fazer da somatória de várias patologias e de uma vitalidade que
parece derivar dessas patologias.
"Alila" é uma beleza porque,
num mundo em que a idéia de nação parece cada vez mais problemática, nos coloca diante da mais
problemática das nações e, no entanto, nos conduz por esse labirinto através de um caminho límpido. Límpido, isto é, não-autoritário e aberto aos significados.
Alila
Alila
Direção: Amos Gitai
Produção: Israel, 2003
Com: Yaël Abecassis, Ronit Elkabetz
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e Lumière
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