São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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A importância de ser fiel

LENISE PINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua peça mais conhecida, "A Importância de Ser Fiel", o autor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) narra as artimanhas do fidalgo Fiel para conquistar duas moças. Se não chegam a carregar no nome esse atributo, quatro atrizes da cena paulista contemporânea fazem da fidelidade uma das principais armas na sedução de seus diretores.
Ana Guilhermina, 23, e Sylvia Prado, 32, do Teatro Oficina, Fabiana Gugli, 33, da Cia. de Ópera Seca, e Helena Albergaria, 36, da Cia. do Latão, trilham seus caminhos em sintonia com, respectivamente, José Celso Martinez Corrêa, Gerald Thomas e Sérgio de Carvalho.
A mais "fiel" entre elas é Prado, atualmente em cartaz com "Vento Forte para Papagaio Subir", que se filiou ao Oficina em 1998, fisgada por uma aula da bailarina Renée Gumiel (1913-2006). Desde então, assimila os princípios do "teatro de estádio" de Martinez. "O seu papel é o dia todo. Você é totalmente transformado como ser humano. Não há barreira do "aqui começa", "aqui termina". É outro caminho para se relacionar com a arte e a vida", diz.
Nesses nove anos, pensou alguma vez em "pular a cerca"? "Não, porque não me vejo saindo do Oficina. Quando perguntam se não gostaria de fazer cinema ou TV, fico com a sensação do teatro como "escada" para essas coisas. É um trabalho importante por si só. Não estou aqui para ganhar [prêmio] Shell [atualmente, o mais importante das artes cênicas brasileiras] e ser pinçada. Já conquistamos o nosso público", avalia.
Entretanto, o teatro não sacia o desejo da atriz de experimentar outros meios. Ela conta que Lírio Ferreira ("Baile Perfumado") e Cláudio Assis ("Baixio das Bestas") estão entre os cineastas com quem trabalharia. Sua aposta para a televisão é uma adaptação de "Cacilda", texto biográfico sobre a atriz Cacilda Becker (1921-1969) já montado pelo Oficina. "Não se trata de se moldar à TV, mas sim de conseguir que a arte seja incorporada a essa mídia. Você soma as qualidades das coisas. É troca, não concessão."
Guilhermina, há cinco anos no Oficina, faz coro quanto à possível contribuição da TV para o teatro. "Quando falamos em teatro das multidões [um dos pilares do Oficina], não podemos ignorar esse meio. Não vamos criar um embate. Queremos devorar tudo isso", diz essa paranaense de palavras medidas, que descobriu a trupe de Martinez aos 12 anos, numa apresentação de "Ela", de Jean Genet (1910-1986).
Ela descreve o início do trabalho com o grupo. "Pode contar assim: entrei no Oficina e descobri que estava grávida em menos de um semestre." Não parou de trabalhar durante a gestação, até que, numa sessão de "O Homem 1" (da tetralogia "Os Sertões"), em junho de 2003, a bolsa estourou no momento em que ela encarnava uma vaca a ponto de dar cria.
Lírio esperou para nascer, de parto normal, já no hospital. "Queria parir em cena. Quando a bolsa estourou, quis correr esse risco. Tenho paixão enorme pelo risco."
Apesar da paixão, a fidelidade ao Oficina é mais importante para ela do que um dos riscos que corre diariamente: o de ficar estigmatizada. Ela conta que, durante a escalação do elenco da série da HBO "Alice", de Karim Aïnouz e Sérgio Machado, a preparadora de atores Fátima Toledo vetou seu nome. "Ela deixou claro que não trabalharia comigo porque era do Oficina." "Você é muito Zé Celso", diz ter ouvido.

Estigma é elogio
Para Fabiana Gugli, há sete anos e meio na Cia. de Ópera Seca, ser taxada como "atriz de Gerald Thomas" seria "um elogio". Ela aponta mais benefícios do que aspectos negativos na filiação a um grupo. "Gosto da linguagem que uma companhia desenvolve. Tem um quê diferente. É como se você emprestasse a personalidade a uma causa maior."
Gugli vê na criação coletiva outro chamariz. "Você está sempre no limite do erro. Para o Gerald, a peça nunca está pronta. Isso é muito vivo para o ator, é um privilégio."
E se essa entrega representar a recusa de alguns convites, que assim seja. "Já abri mão de várias coisas, mas o teatro foi o que escolhi." E relativiza: "Sei que mais visibilidade no cinema e na TV também seria boa para a companhia".
Ela filma no fim deste mês uma participação na adaptação que Fernando Meirelles faz de "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago. A atriz será a mãe de um garoto que perde a visão na epidemia de cegueira.

Gosto pelo improviso
Helena Albergaria começou na Cia. do Latão em 2001, após trabalhar com Nilton Bicudo e Gianfrancesco Guarnieri. O foco no processo de criação, mais do que no resultado, é o que a interessa desde sempre no trabalho em equipe. "A dramaturgia em movimento do Sérgio [de Carvalho, diretor da Cia.] pode desequilibrar o ator, mas gosto do risco, do improviso."
Em contraponto, ela sente falta de atuar fora dos limites do Latão, onde só se aventurou recentemente ao participar do curta "Um Ramo", de Juliana Rojas e Marco Dutra, premiado, neste ano, na Semana da Crítica, mostra paralela ao Festival de Cannes. "É uma delícia conhecer gente nova." "Não me sinto tolhida em nenhum sentido. Mas dá uma curiosidade. É que nem casamento, né?"


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