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A importância de ser fiel
LENISE PINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em sua peça mais conhecida,
"A Importância de Ser Fiel", o
autor irlandês Oscar Wilde
(1854-1900) narra as artimanhas do fidalgo Fiel para conquistar duas moças. Se não chegam a carregar no nome esse
atributo, quatro atrizes da cena
paulista contemporânea fazem
da fidelidade uma das principais armas na sedução de seus
diretores.
Ana Guilhermina, 23, e
Sylvia Prado, 32, do Teatro Oficina, Fabiana Gugli, 33, da Cia.
de Ópera Seca, e Helena Albergaria, 36, da Cia. do Latão, trilham seus caminhos em sintonia com, respectivamente, José
Celso Martinez Corrêa, Gerald
Thomas e Sérgio de Carvalho.
A mais "fiel" entre elas é Prado, atualmente em cartaz com
"Vento Forte para Papagaio Subir", que se filiou ao Oficina em
1998, fisgada por uma aula da
bailarina Renée Gumiel (1913-2006). Desde então, assimila os
princípios do "teatro de estádio" de Martinez. "O seu papel
é o dia todo. Você é totalmente
transformado como ser humano. Não há barreira do "aqui começa", "aqui termina". É outro
caminho para se relacionar
com a arte e a vida", diz.
Nesses nove anos, pensou alguma vez em "pular a cerca"?
"Não, porque não me vejo saindo do Oficina. Quando perguntam se não gostaria de fazer cinema ou TV, fico com a sensação do teatro como "escada" para essas coisas. É um trabalho
importante por si só. Não estou
aqui para ganhar [prêmio]
Shell [atualmente, o mais importante das artes cênicas brasileiras] e ser pinçada. Já
conquistamos o nosso público", avalia.
Entretanto, o teatro não sacia o desejo da atriz de experimentar outros meios. Ela conta
que Lírio Ferreira ("Baile Perfumado") e Cláudio Assis ("Baixio das Bestas") estão entre os
cineastas com quem trabalharia. Sua aposta para a televisão
é uma adaptação de "Cacilda",
texto biográfico sobre a atriz
Cacilda Becker (1921-1969) já
montado pelo Oficina. "Não se
trata de se moldar à TV, mas
sim de conseguir que a arte seja
incorporada a essa mídia. Você
soma as qualidades das coisas.
É troca, não concessão."
Guilhermina, há cinco anos
no Oficina, faz coro quanto à
possível contribuição da TV para o teatro. "Quando falamos
em teatro das multidões [um
dos pilares do Oficina], não podemos ignorar esse meio. Não
vamos criar um embate. Queremos devorar tudo isso", diz essa
paranaense de palavras medidas, que descobriu a trupe de
Martinez aos 12 anos, numa
apresentação de "Ela", de Jean
Genet (1910-1986).
Ela descreve o início do trabalho com o grupo. "Pode contar assim: entrei no Oficina e
descobri que estava grávida em
menos de um semestre." Não
parou de trabalhar durante a
gestação, até que, numa sessão
de "O Homem 1" (da tetralogia
"Os Sertões"), em junho de
2003, a bolsa estourou no momento em que ela encarnava
uma vaca a ponto de dar cria.
Lírio esperou para nascer, de
parto normal, já no hospital.
"Queria parir em cena. Quando
a bolsa estourou, quis correr esse risco. Tenho paixão enorme
pelo risco."
Apesar da paixão, a fidelidade ao Oficina é mais importante para ela do que um dos riscos
que corre diariamente: o de ficar estigmatizada. Ela conta
que, durante a escalação do
elenco da série da HBO "Alice",
de Karim Aïnouz e Sérgio Machado, a preparadora de atores
Fátima Toledo vetou seu nome.
"Ela deixou claro que não trabalharia comigo porque era do
Oficina." "Você é muito Zé Celso", diz ter ouvido.
Estigma é elogio
Para Fabiana Gugli, há sete
anos e meio na Cia. de Ópera
Seca, ser taxada como "atriz de
Gerald Thomas" seria "um elogio". Ela aponta mais benefícios do que aspectos negativos
na filiação a um grupo. "Gosto
da linguagem que uma companhia desenvolve. Tem um quê
diferente. É como se você emprestasse a personalidade a
uma causa maior."
Gugli vê na criação coletiva
outro chamariz. "Você está
sempre no limite do erro. Para
o Gerald, a peça nunca está
pronta. Isso é muito vivo para o
ator, é um privilégio."
E se essa entrega representar
a recusa de alguns convites, que
assim seja. "Já abri mão de várias coisas, mas o teatro foi o
que escolhi." E relativiza: "Sei
que mais visibilidade no cinema e na TV também seria boa
para a companhia".
Ela filma no fim deste mês
uma participação na adaptação
que Fernando Meirelles faz de
"Ensaio sobre a Cegueira", de
José Saramago. A atriz será a
mãe de um garoto que perde a
visão na epidemia de cegueira.
Gosto pelo improviso
Helena Albergaria começou
na Cia. do Latão em 2001, após
trabalhar com Nilton Bicudo e
Gianfrancesco Guarnieri. O foco no processo de criação, mais
do que no resultado, é o que a
interessa desde sempre no trabalho em equipe. "A dramaturgia em movimento do Sérgio
[de Carvalho, diretor da Cia.]
pode desequilibrar o ator, mas
gosto do risco, do improviso."
Em contraponto, ela sente
falta de atuar fora dos limites
do Latão, onde só se aventurou
recentemente ao participar do
curta "Um Ramo", de Juliana
Rojas e Marco Dutra, premiado, neste ano, na Semana da
Crítica, mostra paralela ao Festival de Cannes. "É uma delícia
conhecer gente nova." "Não me
sinto tolhida em nenhum sentido. Mas dá uma curiosidade. É
que nem casamento, né?"
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