XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Fernando Catatau faz trilha sonora para enredos que o perseguem como vozes a um médium. Vem a história como um zumbido no juízo e tufo (pronto), ele coloca música.
Assim parece elaborar, nos três discos do Cidadão Instigado, uma opereta para uns personagens quase sempre perdidos no Paraíso.
Até no mais alegre deles, "Uhuuu!", há um Saturno infiltrado no piquenique de Canoa Quebrada. Um timbre de fuleiragem praieira que funde com um solzão de angústias. Como se Jim Jarmusch filmasse uma loucura qualquer sobre aquecimento global e outros desastres do homem versus natureza.
O trovador agora se encontra abismado sob a merencória luz do dia, não mais da lua. Aí só resta um grito pela solidão, talvez para fugir do vozerio e do mal-assombro, como em "Doido", rogando pela "sensação de estar num labirinto dark".
"Uhuuu!" é rock brasileiro com acento da música romântica de um Roberto & Erasmo Carlos ("Minha alegria é triste"), de um Marcio Greyck, de um Fernando Mendes, de um Bartô Galeno e uma coisinha aqui e ali da balada conhecida vulgarmente como "mela-cueca" e seus congêneres dos anos 1980.
Cidadão é rock e tudo aquilo que a turma do "bom-gostismo" -da bossa nova até a tal da "MPB de qualidade"- separou como brega, dando um corte de classes na parada.
É rock da cartela sortida dos Bee Gees, do folk (Richie Havens?), do progressivo e da baderna psicodélica de um certo Captain Beefheart.
E assim poderíamos gastar folhas e mais folhas alinhavando as influências diretas ou inconscientes de Catatau e sua "magic band". Melhor contar estrelas, como na música em que o macho vislumbra passar por cima do rancor, mas ainda guarda um embornal de grilos.
Melhor contar ovelhinhas, a mais cruel e bonita do disco: sonhos viram tapurus -o bicho-da-fruta podre, sem direito a um quadro de natureza morta. Não procure fofice no genial "Uhuuu!". Busca inútil.
Feliz é aquele que sabe sofrer, como na proposta existencial de Nelson Cavaquinho?
Na era da picaretagem milagrosa e da auto-ajuda, o Cidadão Instigado tapa o sol com mais um filtro degradé e melancólico. Conseguirá mr. Neil, personagem da trilha sonora de Fernando Catatau, sorrir na praia com a sua nativa, a nova Iracema dos lábios de aluguel? Só o vento sabe a resposta.


Texto Anterior: Crítica/"Uhuuu!": Terceiro disco corre atrás de naturalidade
Próximo Texto: Chuck Berry, relíquia viva do rock, toca aos 82
Índice