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O "outro" é o novo dono da MPB, segundo conclusões da academia
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O objetivo era pensar a república brasileira pelo viés de sua música popular e no visor de profissionais de fora da música, como sociólogos, filósofos, antropólogos e
cientistas políticos. Surpreendente, no seminário "Decantando a
República", desenvolvido na PUC
do Rio de Janeiro ao longo da semana passada, foi o enfoque não
na reflexão sobre a história da
"música popular republicana",
mas antes sobre o atual momento
que ela vive.
Assim, painéis apoiados em
Chico Buarque, Paulinho da Viola
ou no frevo pernambucano tiveram de conviver com outros tantos debruçados, com maior ou
menor intensidade, sobre Chico
Science, O Rappa, MV Bill, Racionais MC's, Rappin" Hood, AfroReggae, Seu Jorge, Carlinhos
Brown etc.
O tom inicial foi dado na quinta-feira, pela psicanalista Maria
Rita Kehl, que dedicou a Chico
Science & Nação Zumbi sua reflexão, numa mesa de debate que girava em torno das relações entre
as esferas pública e privada na
música popular.
Recortando aquela geração pós-anos 90 -bem representada pela
Nação Zumbi, de "jovens pobres
da periferia de Recife"-, Kehl
apontou a mudança de discurso
ali representada.
Segundo ela, se a música popular de chicos e caetanos foi produzida por uma geração crítica e
universitária que cuidou de refletir, não sem certo distanciamento,
sobre os problemas brasileiros,
"hoje já não é o pensamento crítico, mas o próprio objeto do pensamento crítico que começa a se
manifestar".
"Não se trata mais de um autor
falando do "outro". É o "outro" dizendo: "Sou eu, sou assim". Parecer não autoral, no caso dessa geração, é um truque. Há uma recusa ética de ocupar as posições de
símbolo sexual, objeto de culto e
sujeito que se destaca da massa."
"A postura é "assumo o que digo, mas não importa quem sou",
como faz o rapper paulista Rappin" Hood. Já Mano Brown, dos
Racionais, diz: "Eu sou apenas um
rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, mas apoiado por
50 mil manos'", continuou.
Kehl exemplificou o deslocamento de que tratava: se nos anos
60 Vinicius de Moraes e Baden
Powell enumeravam, em "Samba
da Bênção", a linhagem de nobreza negra do samba a que pretendiam se integrar, hoje os Racionais MC's também fazem sua
enumeração, mas trocando nomes de pessoas e influências por
uma longa lista geográfica, que
passa por Jardim Ângela, Jardim
Miriam, Capão Redondo etc.
"O descaso desta república com
o espaço público traz uma exposição absoluta, em que nada sobra
para a privacidade. O artista tem
que lidar com aquilo com que o
poder público deveria lidar, e a dimensão privada dos miseráveis
desaparece", concluiu.
Escombros do malandro
Um dia depois, tal temática retornou em debate sobre "cidadãos e párias", na exposição do
sociólogo Jessé de Souza, do Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro (instituição que
organizou o seminário, em conjunto com a PUC-RJ e a Universidade Federal de Minas Gerais).
O pesquisador rejeitou a permanência da "fantasia" do malandro como símbolo nacional
-tal figura estaria "em escombros", segundo ele-, para então
se remeter ao estudo do caso do
violento rapper carioca MV Bill.
"Agora não existe mais malandro, nem mané. Só o otário, a vítima marcada para morrer. Pela
primeira vez, o pária fala com voz
própria. Está numa vanguarda
crítica que ainda não tem contraponto erudito ou político", disse.
O seminário "Decantando a República", coordenado pelos núcleos de pesquisa de Heloísa Murgel Starling (UFMG), Berenice
Cavalcante (PUC-RJ) e José Eisenberg (Iuperj), será transformado em livro ainda em negociação com editoras, para lançamento no próximo ano.
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