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"Clima é mais adverso" para o cinema atual, diz Ismail Xavier
Professor, que relança ensaio "Sertão Mar" (1983), sobre obras de Glauber Rocha, avalia que produção nacional fez "ajuste de ambições, em novo patamar"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com o livro "Sertão Mar", o
professor e crítico de cinema
Ismail Xavier esquadrinhou o
fenômeno do cinema novo, pela análise da obra de seu maior
autor, Glauber Rocha (1939-81), e de sua crença numa "estética da fome" como vetor para
uma cinematografia nacional
com traço próprio e consonância com a trajetória do país.
Escrito em 1983, "Sertão
Mar" tornou-se um ensaio
obrigatório ao estudo de um aspecto relevante da cultura brasileira, mas estava inacessível a
novos leitores, já que os exemplares esgotaram nas livrarias.
Esse paradoxo deixou de
existir neste mês, em que "Sertão Mar" (232 páginas, R$ 49)
ganhou reedição da Cosac
Naify. Um quarto de século
após seu lançamento, "Sertão
Mar" oferece ocasião para refletir sobre o cinema brasileiro
de hoje, conforme Xavier atesta, na entrevista a seguir, que
concedeu à Folha antes de partir para uma temporada de três
meses na Inglaterra, como professor visitante nas universidades de Leeds, Manchester e
Londres.
FOLHA - "Sertão Mar" estabelece
um contraponto entre a obra de
Glauber Rocha e a de seus contemporâneos. Se fosse delinear um contraponto de "Barravento" e "Deus e
o Diabo na Terra do Sol" com a geração que sucedeu Glauber, que títulos seriam candidatos a esse cotejo?
ISMAIL XAVIER - Há uma diferença. As questões presentes em
"Barravento" foram muito trabalhadas pelo cinema dos anos
70 e 80, a partir de filmes que
trabalharam a religião afro-brasileira, de "Amuleto de
Ogum" a "Xica da Silva".
Estes e outros filmes geram
cotejos possíveis, mas não vejo
agora no contemporâneo um
contraponto tão nítido como
aquele trazido pelas formas novas de se pensar o sertão.
Essas formas são variadas,
mas o cotejo mais interessante
se faz entre Glauber e cineastas
como Paulo Caldas e Lírio Ferreira, que, em "Baile Perfumado" [1997], trataram o sertão
como mundo permeável ao
consumo, inserido numa rede
de trocas que dissolvem o isolamento necessário em "Deus e o
Diabo na Terra do Sol" para que
o sertão, como microcosmo fechado, pudesse compor a alegoria do Brasil.
Muda a imagem do cangaceiro, de proto-revolucionário
passa à condição de ícone pop.
Passamos do tema da revolução
pré-figurada no cangaço ao mote do pragmatismo.
FOLHA - O fato de a obra de Glauber ser a grande referência do cinema brasileiro diz respeito ao vulto
de sua genialidade ou ao declínio de
nossa produção desde então?
XAVIER - A estatura de Glauber
vem da articulação única entre
sua forma e o que de social e político continua nela implicado e
atual. A conjuntura presente
define, para o cinema, outras
demandas e outros caminhos,
dentro de um esforço de comunicação que tem seus protocolos, com filmes de gênero e roteiros mais ajustados a uma
dramaturgia clássica ou ao road
movie (como acontece com
Walter Salles Junior e outros
cineastas que dialogam com
Wim Wenders).
Na maioria dos casos, a ênfase tem recaído sobre o aspecto
psicológico da experiência. O
que não exclui a emergência de
talentos afinados à tradição do
moderno, como Luiz Fernando
Carvalho.
No geral, não sei se cabe falar
em declínio. O que houve foi
uma mudança de projeto, com
um ajuste de ambições em novo patamar, pois o clima é mais
adverso e ficou mais difícil capturar o tempo.
FOLHA - Para produzir hoje "uma
crítica que mostre a forma estética
como decantação da experiência
histórica", o que "Sertão Mar" faz,
conforme observa o pesquisador
Leandro Saraiva no posfácio, é necessário trocar o cinema por outra
arte?
XAVIER - Não. Se você admite a
premissa de que há uma relação entre forma estética e experiência histórica, as diferentes
formas de expressão certamente estarão nos oferecendo trabalhos que nos desafiam a formular com clareza esse nexo. O
cinema não está excluído.
Não temos o recuo que permita pensar de modo mais
abrangente esta decantação
hoje, mas algo vai se esboçando.
Há uma intuição de que é o cinema asiático que está conseguindo melhor condensar o
tempo presente -veja "Em
Busca da Vida", de Zhang-ke.
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