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Crítica/circo
"Alegría" se dilui em eficácia clean para hotel de Las Vegas
Mas o segundo espetáculo do Cirque du Soleil tem seus momentos inquietantes
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Criado para festejar o décimo ano do Cirque du
Soleil, em 1994, "Alegría" se mantém desde então
em cartaz como um favorito do
seu extenso repertório (são 15
títulos apresentados simultaneamente neste ano pelo mundo inteiro). O que é surpreendente para um espetáculo concebido inicialmente para flertar com o sombrio.
Segundo espetáculo da companhia, propõe-se como um insolente desafio à tristeza do
mundo, como revela o texto no
programa do diretor Franco
Dragone: "As crianças de rua
não verão "Alegría". Rir continua sendo um luxo que não está
ao alcance delas. Esta noite,
nossos gritos de alegria se
transformarão em gritos de raiva pelos milhões de jovens corações que voltarão a congelar
nos meios-fios da nossa boa
vontade".
Assim, os mestres-de-cerimônia, homens-pássaros aristocratas decadentes, alinhavam os números com um humor nostálgico por trás de suas
máscaras grotescas. Fleur, um
polichinelo amargo, passeia pelo público bradando "alegria!",
quase com sarcasmo, como se
soubesse que seu feudo ancestral (o velho circo?) estava condenado a desaparecer. Felizmente, a alegria do mundo se
salva graças aos alvíssimos anjos do novo circo, anunciadores
do admirável mundo novo da
nova ordem social.
O inquietante expressionismo dos melhores números, como o do extraordinário clown
Rénald Laurin, um amante infeliz perdido em uma estação
de trem, em meio a uma nevasca, com a doce poética dos pesadelos, se dilui na eficácia
clean, indispensável para o setor dos hotéis de luxo de Las
Vegas, principal mercado consumidor do Cirque du Soleil.
Voluntariamente ou não, há
pouca alegria neste "Alegría".
Os performers mantêm uma
placidez quase triste, serenos e
eficientes como condutores de
trens, em uma vertiginosa sucessão de números que o set designer Michel Crête permite
com inesgotável criatividade: o
palco se abre para camas elásticas, a rede de proteção para o
trapézio de vôo arma-se em segundos com a ajuda do próprio
público e, nem sempre alegre, o
espetáculo flui com constante
dinamismo.
Não há razão para menosprezar o "homem-voador" Aleksandr Dobrynin, que realiza de
muito perto o sonho de Peter
Pan graças a uma técnica inovadora de elásticos; nem a ciência exata das "barras russas";
nem a intensa ternura de Marcos de Oliveira Casuo, que honra o alto nível dos palhaços brasileiros. Mas é de se perguntar o
que há de tão novo nesse novo
circo: o fio da meada dramatúrgico, ponto de honra do que deveria ser uma fusão de várias
artes, se revela no fundo quase
um pretexto -por que surge
um anjo de muletas em meio ao
número de contorcionismo?
"Alegría", portanto, tem o
tom de um bufão desarmado de
sua insolência, como um Ghelderode tratado a fluoxetina.
Bem delimitado pelos meios-fios da boa vontade do patrocínio milionário, o Cirque du Soleil, concebido como revolução,
se impõe hoje como uma empresa bem-sucedida. Bombom
embrulhado em finíssima embalagem, não deixa de ser chocolate.
CIRQUE DU SOLEIL - ALEGRÍA
Avaliação: regular
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