São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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"E O BRUNO?"

Autor questiona identidade pela ficção

DO CRÍTICO DA FOLHA

Estampadas na capa e na contracapa de "E o Bruno?" estão duas fotos do autor, Aleksandar Hemon, de costas e de frente/perfil. A estratégia ultrapassa a idéia da autopromoção para se ligar àquilo que o livro carrega de mais original: o questionamento da identidade por meio das armas da ficção.
As oito histórias de "E o Bruno?" apresentam elementos autobiográficos em graus variáveis de ostentação. Mesmo no mais objetivo dos contos, "Vida e Obra de Alphonse Kauders", o leitor encontra itens pessoais que o autor esmiúça nas outras narrativas.
Todos os contos trazem a marca da experiência autoral ficcionalizada, quer por meio da recriação de uma história pessoal e familiar, quer por meio de episódios da terra natal de Hemon, a Bósnia. O jornalista e escritor foi surpreendido pelo cerco a Sarajevo quando estava em Chicago e radicou-se nos EUA. Como Joseph Conrad (polonês) e Vladimir Nabokov (russo), passou a expressar-se literariamente através do inglês.
A experiência da emigração está em "O Cego Jozef Pronek & As Almas do Além" e, em parte, em "Uma Moeda". Mas até que ponto os personagens dessas narrativas refletem a história do autor?
Tomemos "O Círculo Sorge de Espionagem", em que o autor apresenta duas histórias paralelas: a primeira, a de um menino fascinado por agentes secretos e que desconfia que seu pai é um deles; e a segunda, a trajetória real de um alemão que espionava para os soviéticos. O pai do garoto é preso, torturado e condenado a três anos de trabalhos forçados pelo governo iugoslavo. Por fim, é solto, com diagnóstico de câncer no cérebro. Não há vestígios nem da prisão nem da doença, quando reencontramos esse pai, dez anos depois, nos EUA, e numa reunião familiar do grande clã Hemon ("A Troca de Amenidades"). Onde está a verdade?
Para o autor, a verdade não reside no fato mas no disfarce, não na história mas na versão, não na unicidade mas na simultaneidade. Nesse contexto é que precisamos entender as narrativas. A sua dispersão aliada à repetição às vezes contraditória de temas e de personagens nos obriga a encará-las como peças de um jogo maior: o de um autor, subitamente privado de sua pátria e de sua língua, que canibaliza uma expressão alienígena para reafirmar o quê, de outra forma, se perderia: a própria identidade, reiterada inúmeras vezes. (MARCELO PEN)

E o Bruno?


   
Autor: Aleksandar Hemon
Tradutora: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 29 (220 págs.)


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