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"E O BRUNO?"
Autor questiona identidade pela ficção
DO CRÍTICO DA FOLHA
Estampadas na capa e na
contracapa de "E o Bruno?"
estão duas fotos do autor, Aleksandar Hemon, de costas e de
frente/perfil. A estratégia ultrapassa a idéia da autopromoção
para se ligar àquilo que o livro carrega de mais original: o questionamento da identidade por meio
das armas da ficção.
As oito histórias de "E o Bruno?" apresentam elementos autobiográficos em graus variáveis de
ostentação. Mesmo no mais objetivo dos contos, "Vida e Obra de
Alphonse Kauders", o leitor encontra itens pessoais que o autor
esmiúça nas outras narrativas.
Todos os contos trazem a marca
da experiência autoral ficcionalizada, quer por meio da recriação
de uma história pessoal e familiar,
quer por meio de episódios da terra natal de Hemon, a Bósnia. O
jornalista e escritor foi surpreendido pelo cerco a Sarajevo quando estava em Chicago e radicou-se nos EUA. Como Joseph Conrad (polonês) e Vladimir Nabokov (russo), passou a expressar-se
literariamente através do inglês.
A experiência da emigração está
em "O Cego Jozef Pronek & As
Almas do Além" e, em parte, em
"Uma Moeda". Mas até que ponto os personagens dessas narrativas refletem a história do autor?
Tomemos "O Círculo Sorge de
Espionagem", em que o autor
apresenta duas histórias paralelas: a primeira, a de um menino
fascinado por agentes secretos e
que desconfia que seu pai é um
deles; e a segunda, a trajetória real
de um alemão que espionava para
os soviéticos. O pai do garoto é
preso, torturado e condenado a
três anos de trabalhos forçados
pelo governo iugoslavo. Por fim, é
solto, com diagnóstico de câncer
no cérebro. Não há vestígios nem
da prisão nem da doença, quando
reencontramos esse pai, dez anos
depois, nos EUA, e numa reunião
familiar do grande clã Hemon ("A
Troca de Amenidades"). Onde está a verdade?
Para o autor, a verdade não reside no fato mas no disfarce, não na
história mas na versão, não na
unicidade mas na simultaneidade. Nesse contexto é que precisamos entender as narrativas. A sua
dispersão aliada à repetição às vezes contraditória de temas e de
personagens nos obriga a encará-las como peças de um jogo maior:
o de um autor, subitamente privado de sua pátria e de sua língua,
que canibaliza uma expressão
alienígena para reafirmar o quê,
de outra forma, se perderia: a própria identidade, reiterada inúmeras vezes.
(MARCELO PEN)
E o Bruno?
Autor: Aleksandar Hemon
Tradutora: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 29 (220 págs.)
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