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CARLOS HEITOR CONY
Zola e o romance do olhar
A influência que exerceu em Cézanne, Degas, Renoir, Manet e Monet é até hoje inédita na história
O ROMANCISTA que levou o naturalismo ao seu pique mais
radical era um projeto de fotógrafo. A expressão literária, para
ele, era insuficiente para captar a
realidade crua, sem artifícios.
Antecedeu o cinema e o "nouveau
roman". A ingenuidade de algumas
incursões no campo da ciência social e psicológica fica por conta do
seu temperamento inquieto demais
para a pesquisa e a experimentação
dos laboratórios. Daí o seu envolvimento com os impressionistas do final do século 19, a ânsia de chegar à
verdade possível através da imagem
possível.
Recém-chegado de Aix, ele vasculhou Paris com seu olhar voraz, tomando notas sobre o que via: a taberna, o prostíbulo, o armazém, o
mercado, a rua, o cavalo, a prostituta, o operário, a calha com água suja
de sabão, a sarjeta, a carroça, o tanque de lavar roupa, o trem, o calor
das caldeiras, o pó das minas de carvão.
Quando iniciou sua carreira de escritor, a fotografia era um embrião.
Caso contrário, não seria de espantar se Zola tivesse optado pela câmara para retratar a sua realidade.
Antes de se entusiasmar pela fotografia, Zola já se ligara aos pintores
que abandonavam os estúdios e pintavam suas impressões à luz natural.
A influência que exerceu em Cézanne, Degas, Renoir, Manet e Monet é até hoje inédita na história.
Nunca uma escola de artistas plásticos aprendeu tanto com um escritor.
A recíproca funcionou: nunca um
escritor foi tão influenciado por
aqueles que começavam a ver a realidade tal como era e não como os
códigos da estética queriam que fosse. "A arte é uma parte da natureza
"vista" através de um temperamento." Ver a realidade por um ângulo
pessoal era inicialmente uma fórmula para combater o romantismo.
Mais tarde, transformou-se num
caminho. Não há notícia de que tenha tentado a fotografia durante sua
fase criadora, em Paris. Foi no exílio
de Londres que ele saiu de máquina
na mão e sem nenhuma idéia na cabeça. "Abaixo a Inspiração!" dizia
ele, ao começar a série de seus romances "Rougon-Macquart", "História Natural e Social de uma Família sob o Segundo Império".
Fazia croquis das ruas, das casas,
anotava o nome das peças de tecido
no "Bonheur de Dames", a procedência dos repolhos no "Les Halles".
Contam que se deixou atropelar por
uma carroça, para sentir pessoalmente a experiência. Aprendeu a dirigir uma locomotiva para fazer o
seu Jacques Lantier ("A Besta Humana").
Antes de "L'Assommoir", ele percorreu as tascas parisienses, escolhendo a locação do romance. Outro
escritor teria feito uma colagem de
diversas tabernas, inventando aquela que lhe parecesse ideal para cenário de sua história. Zola situou seu
romance na "Rue de La Goutte
d'Or" e ali encontrou a lavanderia de
Gervaise Macquart.
Anotações de Zola : "Numa extremidade da rua, é a descida: à direita,
oficinas de cordas e tanoeiros; à esquerda, armazéns. Na metade da
rua, casas baixas, de um só andar.
Anúncios pregados nas portas. Depois da lavanderia, uma acácia, depois um estábulo de cavalos de aluguel. As casas baixas têm as cores
amarela, verde, vermelha e azul. Na
direção da "Rue dês Poissoniers",
muita gente. A casa tem 11 janelas à
frente e é de seis andares. Janelas
com as folhas pretas desconjuntadas. No meio, a porta arqueada. À direita, casa de bebidas; à esquerda, loja de carvão. Pelo corredor, passa
uma calha com água sempre ensaboada. Quatro escadas, duas para cada lado. No pátio, só operários. Ao
redor do botequim o chão é úmido.
Uma placa onde se lê: "Consertam-se relógios de parede e de bolso". Um
homem carregando uma escada".
Se tivesse publicado esses apontamentos teria deixado o pessoal do
"roman du regard" sem emprego.
Exemplo de "O Ano Passado em
Marienbad" (Robbe-Grillet): "Na
portaria, do lado esquerdo, as chaves
dos quartos 201, 203, 205, 207, 209.
Do lado direito, as chaves do 202,
204, 206, 208". Ou este outro trecho
de "La Jalousie": "Na alameda direita, uma árvore, outra árvore, um
banco. Na outra alameda, uma árvore, um bebedouro. No centro, o chafariz. Depois, a grama, a cerca, o castelo".
Uma das diferenças entre Robbe-Grillet e Zola é que em 1869 não havia cinema e a arte fotográfica era
uma brincadeira de laboratório.
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