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análise
Atriz tinha um tom de frigidez e santidade
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Deborah Kerr será
sempre lembrada
pela cena em que ela
e Burt Lancaster se beijam
na praia em "A Um Passo da
Eternidade". Era "ousada"
para a Hollywood de então,
porque os corpos de ambos
se tocam deitados na areia,
são lambidos pela onda, e sabe-se lá que perturbações
aquele roçar de pernas provocaria neles -ou na imaginação da platéia.
Fosse Ava
Gardner ou
Lana Turner
a atriz em cena, e talvez
esta passasse
desapercebida. Mas havia
um certo tom
de santidade
e frigidez em
Deborah
Kerr que a fazia parecer
imune a certas tentações
-donde o
inusitado da
seqüência.
Além disso,
ela interpretava uma
adúltera.
Era essa aura de intocabilidade que a tornava perfeita
para papéis de governanta,
enfermeira ou viúva (seu papel triplo em "Coronel
Blimp", 1943), freira ("Narciso Negro", 47), esposa devotada ("Mercador de Ilusões",
47), governanta de novo ("O
Rei e Eu", 56, e "Os Inocentes", 61), professora ("Chá e
Simpatia", 56), paraplégica
("Tarde Demais para Esquecer", 57), filha massacrada
pela mãe ("Vidas Separadas",
58) ou solteirona moralista
("Bom Dia, Tristeza", 58, e "A
Noite do Iguana", 64).
Mas sempre foi um erro
confundi-la com seus personagens. Ao ouvir de um repórter que "Narciso Negro"
era um dos filmes "mais eróticos" que ele já tinha visto,
Deborah vibrou: "Você acha
mesmo? Ótimo!". Mesmo
porque vários desses personagens lutavam por uma redenção. Em "Chá e Simpatia", ela trai o marido com
um aluno para provar que o
jovem não era gay. Em "Vidas Separadas", é ela quem
dá a palavra final no filme ao
desafiar pela primeira vez a
presença asfixiante da mãe
(interpretada por Gladys
Cooper). E, em
"Os Inocentes", baseado
na novela de
Henry James,
"A Volta do Parafuso", resiste
ao terror implantado na
casa pelas assombrações.
Alfred
Hitchcock
(com quem ela
nunca trabalhou) dizia que
quem considerasse frígida a
mulher inglesa
era porque
nunca se vira a
sós com uma
delas no banco
traseiro de um táxi. Há quem
creia que a inspiradora de
sua frase -não com ele no táxi- tenha sido Deborah.
A atriz foi indicada seis vezes ao Oscar. Deveria ter
vencido todos, mas nunca levou nenhum. Sentindo (com
atraso) a gafe, a Academia
concedeu-lhe um Oscar especial em 1994. Foi comovente vê-la receber a estatueta, muito trêmula, já afetada
pelo mal de Parkinson.
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