São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2007

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análise

Atriz tinha um tom de frigidez e santidade

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Deborah Kerr será sempre lembrada pela cena em que ela e Burt Lancaster se beijam na praia em "A Um Passo da Eternidade". Era "ousada" para a Hollywood de então, porque os corpos de ambos se tocam deitados na areia, são lambidos pela onda, e sabe-se lá que perturbações aquele roçar de pernas provocaria neles -ou na imaginação da platéia.
Fosse Ava Gardner ou Lana Turner a atriz em cena, e talvez esta passasse desapercebida. Mas havia um certo tom de santidade e frigidez em Deborah Kerr que a fazia parecer imune a certas tentações -donde o inusitado da seqüência. Além disso, ela interpretava uma adúltera.
Era essa aura de intocabilidade que a tornava perfeita para papéis de governanta, enfermeira ou viúva (seu papel triplo em "Coronel Blimp", 1943), freira ("Narciso Negro", 47), esposa devotada ("Mercador de Ilusões", 47), governanta de novo ("O Rei e Eu", 56, e "Os Inocentes", 61), professora ("Chá e Simpatia", 56), paraplégica ("Tarde Demais para Esquecer", 57), filha massacrada pela mãe ("Vidas Separadas", 58) ou solteirona moralista ("Bom Dia, Tristeza", 58, e "A Noite do Iguana", 64).
Mas sempre foi um erro confundi-la com seus personagens. Ao ouvir de um repórter que "Narciso Negro" era um dos filmes "mais eróticos" que ele já tinha visto, Deborah vibrou: "Você acha mesmo? Ótimo!". Mesmo porque vários desses personagens lutavam por uma redenção. Em "Chá e Simpatia", ela trai o marido com um aluno para provar que o jovem não era gay. Em "Vidas Separadas", é ela quem dá a palavra final no filme ao desafiar pela primeira vez a presença asfixiante da mãe (interpretada por Gladys Cooper). E, em "Os Inocentes", baseado na novela de Henry James, "A Volta do Parafuso", resiste ao terror implantado na casa pelas assombrações.
Alfred Hitchcock (com quem ela nunca trabalhou) dizia que quem considerasse frígida a mulher inglesa era porque nunca se vira a sós com uma delas no banco traseiro de um táxi. Há quem creia que a inspiradora de sua frase -não com ele no táxi- tenha sido Deborah.
A atriz foi indicada seis vezes ao Oscar. Deveria ter vencido todos, mas nunca levou nenhum. Sentindo (com atraso) a gafe, a Academia concedeu-lhe um Oscar especial em 1994. Foi comovente vê-la receber a estatueta, muito trêmula, já afetada pelo mal de Parkinson.


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