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32ª MOSTRA DE SP
"Fui mal compreendido", afirma Pedro Cardoso
Ator conta que fez crítica à nudez no cinema e na TV para falar da "construção do país'
Cardoso diz que, por lucro, meios de comunicação de massa fazem uso disfarçado da pornografia, que se torna "expressão oficial do Brasil"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O ator Pedro Cardoso diz que
foi "mal compreendido" ao atacar o que chama de uso pornográfico da nudez no cinema e
na TV. Ele leu manifesto sobre
o tema há duas semanas, no
Rio, antes da sessão de "Todo
Mundo Tem Problemas Sexuais", que produz e no qual
atua -sem cenas de nudez.
Críticos do manifesto apontaram moralismo do ator. "Estou querendo falar da construção do Brasil e de como a pornografia, nos meios de comunicação de massa, atrapalha o
país a se identificar", afirma ele.
Para Cardoso, 46, "o Brasil
não é um país de pornógrafos",
mas "a pornografia está se tornando uma expressão oficial do
país". Ele diz que, ao se opor à
pornografia, faz um "apelo para
que os meios de comunicação
de massa mostrem um país
mais parecido com ele mesmo".
FOLHA - Você é contrário à pornografia?
PEDRO CARDOSO - Minha batalha
é contra o disfarce da pornografia em obra de arte e em entretenimento. Quem quiser fazer
pornografia ou usufruir da pornografia no seu mundo privado
não é assunto meu.
É assunto meu que a pornografia esteja, disfarçada, na novela das seis, no programa de
auditório, na quase totalidade
dos filmes, porque atingiu meu
mercado de trabalho. É disso
que estou falando. Não fui compreendido.
As críticas não foram feitas
ao que penso, mas ao parágrafo
em que disse que a nudez inviabiliza a arte de representar. É
uma questão tão acesa que roubou o foco principal do que eu
estava querendo dizer.
FOLHA - O que quis dizer ao afirmar
que é sempre o ator quem está nu
em cena, nunca o personagem?
CARDOSO - A questão do nu para o ator é muito complexa. Para representar nu, um ator terá
que vestir a nudez do personagem. Se algo de verdadeiramente fundamental acontece
na história no caminho da nudez, o ator é capaz de representar o personagem nu e, numa
habilidade muito grande da sua
arte, iludir a visão do espectador, de modo que ele veja a nudez do personagem sobre a nudez do ator. Ou seja, o ator tem
que vestir algo inefável. É possível. Não tenho nada contra a
nudez em si, como uma possibilidade de momento da arte.
Tenho contra a nudez sem
história, onde o ator fica nu na
hora em que tira o figurino.
Convenhamos, um homem ou
uma mulher tomando banho,
como é freqüente ver na TV
aberta, é algo prosaico. Essa nudez é mera exibição do corpo da
atriz. Não é dramaturgia. Uma
relação sexual entre dois personagens em que nada acontece
além da própria relação não é
dramaturgia.
FOLHA - Você diz que, por "ingenuidade", aceitou convite de Ivan
Cardoso para um filme em torno da
descoberta sexual de jovens que, de
fato, era a pornochanchada "Os
Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez" (1984). Você não havia lido o roteiro antes de filmar?
CARDOSO - Meu personagem
teria uma cena de sexo, sumariamente descrita no roteiro. O
roteiro não indicava que as cenas de sexo seriam explícitas.
Ele disfarçava a pornochanchada em um filme de aventura
adolescente. É sempre assim.
Ninguém te convida para o ato
pornográfico nomeando-o como ato pornográfico.
FOLHA - Ao perceber o que era, você abandonou o set e um dublê fez a
cena. Com tal atitude, no início de
sua carreira, você não provou que é
possível dizer "não" a uma cena da
qual discorda sem que isso inviabilize sua ascensão profissional?
CARDOSO - Isso, que aconteceu
comigo há quase 30 anos [o filme foi rodado em 1983], intensificou-se muito. Hoje, 98% dos
convites feitos a uma atriz incluem uma cena de nudez. Se a
cena é pornográfica, não sei,
mas incluem cena de nudez.
Então, é muito difícil para o
ator entrar no mercado de trabalho se ele disser esse "não".
Essa opressão, muitas vezes,
empurra atores e atrizes a dizer
um "sim" muito contrariado.
FOLHA - Que reação seu manifesto
gerou na Globo?
CARDOSO - Está faltando comparecer à discussão a figura dos
empresários que investem em
comunicação de massa. Eles
deveriam dizer o que pensam
sobre o que está em discussão.
A questão não se resolverá entre artistas. A Rede Globo não
me procurou, nem acho que o
fará. Em meu texto, não especifico nenhuma empresa. Falo de
uma coisa geral. Minha questão
não é particularizada com empresas nem com pessoas.
FOLHA - Mas seu manifesto não está relacionado ao seu namoro?
CARDOSO - Não respondo perguntas sobre minha vida particular, porque considero que a
totalidade da imprensa que cobre os fatos culturais não tem
parâmetros éticos confiáveis.
Mencionei o fato de namorar
uma atriz por honestidade intelectual, quando percebi que a
temperatura com que eu lidava
com esse assunto era causada
pelo fato de ver minha namorada ter de enfrentar os ataques
da pornografia diariamente.
FOLHA - Supõe-se que seu manifesto contenha referência à atriz
Graziella Moretto, apontada como
sua namorada, e ao filme "Feliz Natal", de Selton Mello. Se essa percepção for equivocada, não lhe incomoda que pessoas alheias à questão estejam sendo associadas a ela?
CARDOSO - Sobre esse assunto,
já disse o que queria dizer.
Aqueles que fizeram o que descrevi sabem quem são. [Cardoso afirmou ser "freqüente que
esses cineastas de primeiro filme exibam para seus amigos,
em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz".]
Não os nomeio, porque fatos
como esses são impossíveis de
serem provados, porque são
tremendamente subjetivos.
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