São Paulo, segunda, 19 de outubro de 1998

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"MEGALÓPOLES"
Filme traz desgraça de metrópoles

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

"Megalópoles" é um filme contundente graças ao seu registro inquieto (mas não inflado de cacoetes) e seu testemunho contido (mas não isento de eloquência) de uma realidade aterradora.
Sob o subtítulo "12 Histórias de Sobrevivência", a vida dura de deserdados de toda (má) sorte que habitam lugares onde a população é proporcional à miséria.
O filme concentra seus fragmentos em quatro cidades de alta densidade demográfica e taxa de desgraça: Bombaim, Nova York, México e Moscou.
Para falar do fardo cotidiano, dispensa a locução em off e deixa que os anônimos contem por si, num discurso monossilábico e articulado. Histórias, imagens e cidades intercalam-se e articulam-se por afinidade ou contraste.
Na narrativa, há uma dupla progressão: os episódios abandonam o mero registro de situações rumo a um pseudoteatro de encenações; da luta íntegra frente às adversidades vai-se para a degradação perversa de corpo e alma.
Em Moscou, impõe-se a ficção: a metafísica do mendigo, os palácios noturnos, a lírica operadora de guindaste, os pequenos delinquentes. Em Nova York, interpõe-se a mediação: o programa de "talk radio" sintoniza métodos de sobrevivência na cela da negatividade. Em Bombaim, o homem do bioscópio costura pedaços de filmes e exibe-os para as crianças.
Há cenas impressionantes: o infeliz desolado que refina pigmentos e é sufocado por cores, o vendedor de galinhas encharcadas de sangue e sordidez, a malta que apalpa Cassandra no striptease de "O Amor da Minha Vida", o viciado psicodrama de Toni, os deficientes na linha de montagem ouvindo mensagens subedificantes e alienantes, os bêbados submetidos a sevícias anti-embriaguez enquanto piedosas comadres cantam cinicamente.
Como justifica no filme o herói Superbarrío Gómez, "o absurdo é um patrimônio cultural da humanidade" (e os créditos finais guardam surpresas em telhados, canos e lixões).
O diretor Glawogger chegou a cogitar São Paulo como locação, mas parece que encontrou lugares piores. A paisagem devastada é cosmopolita. A mesma dor desanima povos em várias latitudes do Quinto Mundo. O apocalipse é aqui e agora.

Quando: hoje, às 22h, no Masp


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