São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2001

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CRÍTICA
Disco integra velho, romântico e fiel punk sem butique

DA REPORTAGEM LOCAL

Já faz mais de um ano que gravadoras brasileiras, privadas da galinha dos ovos de ouro que foi a década axé music no Brasil, tentam emplacar um levante de volta do pop-rock à moda dos anos 80. Os resultados têm sido parciais, e suprema ironia seria Supla virar herói dessa empreitada, por intermédio de um disco "indie" de banca de jornal (com a mãozinha pesada de seu Silvio).
Besteirol punk/new wave do início ao fim e de produção bastante afiada, "O Charada Brasileiro" tem grande potencial não por suas qualidades, mas porque Supla tem sido até aqui o "rei de mídia" na desconcertante "Casa dos Artistas". Muita gente vai se horrorizar, e, na pior das hipóteses, Supla sai dessa com mais um estigma colado à sua pele já toda tatuada de situações surreais.
Isso à parte, o que é "O Charada Brasileiro"? Pastiche de cabo a rabo, poderia ser um dos discos-mito dos anos 80 -se houvesse saído nos 80, hehehe, e se o público de rock não morresse de preconceito contra "punkismo de butique" e a filiação chique do cara.
O foco imediato de atenção é, inevitavelmente, "Green Hair (Japa Girl)". Mais conhecida pelas palhaçadas do cara da MTV, a bossa-rock de Supla se deixou esconder atrás da caricatura. Ouvida de coração aberto, é homenagem nonsense e galante aos ídolos de Supla, Iggy Pop e David Bowie, os autores de "China Girl" (77).
Musicalmente -esqueça Marta e Eduardo-, são Bowie e Iggy os pais de Supla, junto com John Lydon, Debbie Harry, Kraftwerk e, pasme, João Gilberto. Uma família de estirpe, convenhamos.
O CD se inicia pela faixa-título, afinado e confuso casamento entre os Stooges (a banda de Iggy Pop nos 60, pré-punk) e Blondie (a de Debbie Harry, toda new wave). "Japa Girl", emendada, introduz João Gilberto à salada, no violão sem-vergonha de Supla.
Sua crítica punk é intensa, ácida e infanto-juvenil, e o Supla das letras do CD parecia já saber da estadia na "Casa dos Artistas", tão perfeitamente elas se ajustam ali.
Brinque de colocá-lo como protagonista de algumas passagens. "Japa Girl": "Ela é uma punk sem paciência/ não é fashion nem odeia as tendências/ para os seus pais ela é confusão". "Bizness (Comídia)": "Vai, ô, seu comédia/ pára de fazer média/ pensa que é bacana/ só porque tem grana/ ele é tipo "bizness'/ falem bem, falem mal/ faz cara de mau/ mas tá sem moral". Ué, está falando de si?
E o "Rei da Mídia", quem será? "A mídia está aí/ pra te entreter/ eu vou aproveitar/ pra poder me vender/ mas como já te disse/ eu não preciso do seu canal/ tenho a TV, rádio, revista e o jornal", berra a pauleira.
Alguma conclusão? Difícil, já que o discurso é desconexo e perdeu a noção de privacidade. O cara do disco e o da TV são o mesmo, simpático, divertido e sincero, até na polarização cruel que cria na tela com os blacks de periferia Leandro Lehart e Taiguara.
Para lá da briga entre o "bem" e o "mal" (suplas e bárbaras contra frotas e núbias), a "casa de Supla" vai virando picadeiro arriscado de loiros versus negros, ricos poderosos contra pobretões, anarcopunk branco versus black music de periferia. Expondo com franqueza seus encantos e fraquezas, em mais 15 minutos de fama, o reizinho (da mídia) está nu, "faça você mesmo" e "mate-se por favor" integrados num velho, romântico e fiel punk sem butique.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


O Charada Brasileiro
   
Artista: Supla Lançamento: independente Quanto: R$ 9,90, nas bancas




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