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CRÍTICA
Disco integra velho, romântico e fiel punk sem butique
DA REPORTAGEM LOCAL
Já faz mais de um ano que gravadoras brasileiras, privadas
da galinha dos ovos de ouro que
foi a década axé music no Brasil,
tentam emplacar um levante de
volta do pop-rock à moda dos
anos 80. Os resultados têm sido
parciais, e suprema ironia seria
Supla virar herói dessa empreitada, por intermédio de um disco
"indie" de banca de jornal (com a
mãozinha pesada de seu Silvio).
Besteirol punk/new wave do início ao fim e de produção bastante
afiada, "O Charada Brasileiro"
tem grande potencial não por
suas qualidades, mas porque Supla tem sido até aqui o "rei de mídia" na desconcertante "Casa dos
Artistas". Muita gente vai se horrorizar, e, na pior das hipóteses,
Supla sai dessa com mais um estigma colado à sua pele já toda tatuada de situações surreais.
Isso à parte, o que é "O Charada
Brasileiro"? Pastiche de cabo a rabo, poderia ser um dos discos-mito dos anos 80 -se houvesse saído nos 80, hehehe, e se o público
de rock não morresse de preconceito contra "punkismo de butique" e a filiação chique do cara.
O foco imediato de atenção é,
inevitavelmente, "Green Hair (Japa Girl)". Mais conhecida pelas
palhaçadas do cara da MTV, a
bossa-rock de Supla se deixou esconder atrás da caricatura. Ouvida de coração aberto, é homenagem nonsense e galante aos ídolos
de Supla, Iggy Pop e David Bowie,
os autores de "China Girl" (77).
Musicalmente -esqueça Marta
e Eduardo-, são Bowie e Iggy os
pais de Supla, junto com John
Lydon, Debbie Harry, Kraftwerk
e, pasme, João Gilberto. Uma família de estirpe, convenhamos.
O CD se inicia pela faixa-título,
afinado e confuso casamento entre os Stooges (a banda de Iggy
Pop nos 60, pré-punk) e Blondie
(a de Debbie Harry, toda new wave). "Japa Girl", emendada, introduz João Gilberto à salada, no violão sem-vergonha de Supla.
Sua crítica punk é intensa, ácida
e infanto-juvenil, e o Supla das letras do CD parecia já saber da estadia na "Casa dos Artistas", tão
perfeitamente elas se ajustam ali.
Brinque de colocá-lo como protagonista de algumas passagens.
"Japa Girl": "Ela é uma punk sem
paciência/ não é fashion nem
odeia as tendências/ para os seus
pais ela é confusão". "Bizness
(Comídia)": "Vai, ô, seu comédia/
pára de fazer média/ pensa que é
bacana/ só porque tem grana/ ele
é tipo "bizness'/ falem bem, falem
mal/ faz cara de mau/ mas tá sem
moral". Ué, está falando de si?
E o "Rei da Mídia", quem será?
"A mídia está aí/ pra te entreter/
eu vou aproveitar/ pra poder me
vender/ mas como já te disse/ eu
não preciso do seu canal/ tenho a
TV, rádio, revista e o jornal", berra a pauleira.
Alguma conclusão? Difícil, já
que o discurso é desconexo e perdeu a noção de privacidade. O cara do disco e o da TV são o mesmo, simpático, divertido e sincero, até na polarização cruel que
cria na tela com os blacks de periferia Leandro Lehart e Taiguara.
Para lá da briga entre o "bem" e
o "mal" (suplas e bárbaras contra
frotas e núbias), a "casa de Supla"
vai virando picadeiro arriscado de
loiros versus negros, ricos poderosos contra pobretões, anarcopunk branco versus black music
de periferia. Expondo com franqueza seus encantos e fraquezas,
em mais 15 minutos de fama, o
reizinho (da mídia) está nu, "faça
você mesmo" e "mate-se por favor" integrados num velho, romântico e fiel punk sem butique.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
O Charada Brasileiro
Artista: Supla
Lançamento: independente
Quanto: R$ 9,90, nas bancas
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