São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

Violência e paixões enterradas no Mississippi

The Delivery Man
   

Se a alcunha "Woody Allen do punk" era válida nos anos 70, hoje os momentos em que o inglês Elvis Costello volta ao rock soam como os (raros) retornos inspirados à comédia do cineasta americano. O filme se repete em "The Delivery Man", seu 21º álbum de estúdio.
De punk, Costello nunca teve muito, a não ser um desprezo por regras. Transita sem muito pudor por estilos diferentes, como jazz, country, música erudita, com o pop de Burt Bacharach pelo caminho. Mas é no rock que sua voz anasalada/ emotiva e as letras repletas de uma cortante ironia encontram o melhor eco.
Inicialmente, Costello planejou um disco conceitual, em tom noir, com canções baseadas nas histórias de Abel, um entregador de encomendas que fascina três mulheres. O personagem -sujeito que matou um amigo na infância e que, adulto, é punido por outros crimes, mais leves-, aliás, vem de uma música que Costello escreveu para Johnny Cash.
Mas, logo, a idéia foi abandonada, e o conceito acaba aparecendo apenas em algumas faixas, como na faixa-título, um blues que se embrenha pelos pântanos do Mississippi [onde o disco foi gravado] e que desnuda Abel, indivíduo que "em certa luz parecia com Elvis/de certa maneira sentia-se como Jesus".
Emerge, mesmo assim, um sentido de violência contida, que se reflete seja na busca por liberdade, seja no esbarrão em amores doídos e na realidade de governantes desastrosos. É assim em "Button My Lip", quase uma improvisação blues-jazzística ("Não quero falar sobre o governo"); na constatação da escoriação no braço da amada e do sangue no chão de "The Name of This Thing Is Not Love".
"Delivery" é também disco de comunhão. Dedicado à sua mulher (estranha declaração de amor....), Diana Krall, o álbum reúne a nova encarnação da banda que acompanha Costello desde seu início, o Attractions -agora Imposters-, além das participações vocais de Lucinda Williams e Emmylou Harris. O nome desta coisa pode não ser amor, mas ainda assim deixa atordoadas aquelas almas mais distraídas.
(BRUNO YUTAKA SAITO)

ARTISTA: ELVIS COSTELLO & THE IMPOSTERS; GRAVADORA: UNIVERSAL; QUANTO: R$ 35, EM MÉDIA


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