|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA/LANÇAMENTOS
Violência e paixões enterradas no Mississippi
The Delivery Man
Se a alcunha "Woody Allen do punk" era
válida nos anos 70, hoje os momentos
em que o inglês Elvis Costello volta ao
rock soam como os (raros) retornos
inspirados à comédia do cineasta
americano. O filme se repete em "The
Delivery Man", seu 21º álbum de estúdio.
De punk, Costello nunca teve muito, a
não ser um desprezo por regras. Transita
sem muito pudor por estilos diferentes,
como jazz, country, música erudita, com
o pop de Burt Bacharach pelo caminho.
Mas é no rock que sua voz anasalada/
emotiva e as letras repletas de uma
cortante ironia encontram o melhor eco.
Inicialmente, Costello planejou um disco
conceitual, em tom noir, com canções
baseadas nas histórias de Abel, um
entregador de encomendas que fascina
três mulheres. O personagem -sujeito
que matou um amigo na infância e que,
adulto, é punido por outros crimes, mais
leves-, aliás, vem de uma música que
Costello escreveu para Johnny Cash.
Mas, logo, a idéia foi abandonada, e o
conceito acaba aparecendo apenas em
algumas faixas, como na faixa-título, um
blues que se embrenha pelos pântanos
do Mississippi [onde o disco foi gravado]
e que desnuda Abel, indivíduo que "em
certa luz parecia com Elvis/de certa
maneira sentia-se como Jesus".
Emerge, mesmo assim, um sentido de
violência contida, que se reflete seja na
busca por liberdade, seja no esbarrão em
amores doídos e na realidade de
governantes desastrosos. É assim em
"Button My Lip", quase uma
improvisação blues-jazzística ("Não
quero falar sobre o governo"); na
constatação da escoriação no braço da
amada e do sangue no chão de "The
Name of This Thing Is Not Love".
"Delivery" é também disco de
comunhão. Dedicado à sua mulher
(estranha declaração de amor....), Diana
Krall, o álbum reúne a nova encarnação
da banda que acompanha Costello
desde seu início, o Attractions -agora
Imposters-, além das participações
vocais de Lucinda Williams e Emmylou
Harris. O nome desta coisa pode não ser
amor, mas ainda assim deixa atordoadas
aquelas almas mais distraídas.
(BRUNO YUTAKA SAITO)
ARTISTA: ELVIS COSTELLO & THE IMPOSTERS;
GRAVADORA: UNIVERSAL; QUANTO: R$ 35,
EM MÉDIA
Texto Anterior: Erika Palomino Próximo Texto: Acústico MTV Índice
|