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Pornô usa zumbis para analisar culto à morte
Diretor canadense retrata orgias viscerais em "Otto", em cartaz no Mix Brasil hoje
"Meu filme é representação artística da morte", afirma Bruce LaBruce, que usa carcaças e sangue para fazer alegoria da vida homossexual
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Sexo explícito é pouco. Em
"Otto; ou Viva Gente Morta",
mistura bizarra de filme de
zumbi com pornô, o diretor canadense Bruce LaBruce criou
orgias viscerais: mortos-vivos
afagam suas entranhas e descobrem novas formas de penetração, tudo com muito sangue. O
longa passa hoje, à meia-noite,
no Cinesesc, dentro do Festival
Mix Brasil, em São Paulo.
"A morte é sexy", diz LaBruce em entrevista à Folha. "É estranho as pessoas criticarem a
cena em que os zumbis chupam suas tripas, quando a TV
mostra todos os dias cenas estarrecedoras de autópsias, cérebros em decomposição."
LaBruce, conhecido por introduzir moda punk e roupagem estetizada à pornografia,
compara seus bacanais sanguinolentos a uma suposta fixação
da cultura pop pela morte.
"É o mesmo que a Angelina
Jolie, que tem cara de estrela
pornô, aparecer segurando
uma enorme metralhadora fálica com seus bracinhos anoréxicos", diz LaBruce. "Do mesmo jeito que a morte real de
Heath Ledger acabou promovendo "Batman: O Cavaleiro
das Trevas", o pornô zumbi e a
necrofilia derivam disso tudo, a
morte se transforma em sexo."
Mas LaBruce acredita que
está muito além do mainstream -o co-produtor do filme
é o polêmico artista Terence
Koh, conhecido por vender, como obras de arte, excrementos
e o próprio sêmen. LaBruce e
companhia querem que "Otto"
seja visto como crítica à violência exacerbada de Hollywood.
"Virou moda fazer filmes de
tortura e violência", afirma LaBruce. "Mas o meu filme é uma
representação artística da
morte, o excesso de sangue
acaba virando uma pintura."
De fato, todas as cenas de sexo do filme começam com
mordidas de leve e terminam
com as paredes cobertas com
uma camada grossa de sangue
cenográfico, sem contar braços, pernas e membros sortidos
espalhados pelo chão. É a metonímia grotesca de LaBruce
para o amor homossexual.
Alegoria gay
Não foi, aliás, só a vontade de
evocar "A Noite dos Mortos Vivos", de George Romero, que
levou LaBruce a filmar seus
zumbis gays. Toda a bizarrice e
o colorido do sexo com vísceras
e carcaças está a serviço de uma
alegoria sobre a vida homossexual: a sensação de desajuste, o
isolamento e a solidão.
"Se você vai à noite a um parque ou banheiro público em
busca de sexo, vai ver as pessoas em transe, andando como
zumbis", descreve LaBruce.
"No filme, esse exterior zumbi
é a expressão dos sentimentos
íntimos dos personagens, que
não se encaixam na sociedade."
Otto, o personagem-título, é
um jovem morto-vivo sem teto,
vegetariano e gay, na ponta extrema dessa alegoria da exclusão. Ele vaga por Berlim atrás
de sexo e comida e sofre com a
violência do mundo dos vivos.
"Muitos gays acham que o
mundo ficou hostil e brutal demais, então se desligam de tudo, num tipo de autismo."
Mas "Otto" não condena esse
isolamento. Vendida como filme de autor, a obra de LaBruce
também arma suas bases num
gueto estético, reforça estereótipos e consegue tornar glamouroso o desespero gay.
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