São Paulo, quinta-feira, 19 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Contundente, Plínio está à altura de Nelson

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Uma década é pouco para avaliar o legado de um autor dramático -que, no caso dos maiores, costuma ser medido em séculos. As 27 peças de Plínio Marcos formam uma obra desigual, mas algumas poucas delas já são suficientes para afirmá-lo como um dos mais vigorosos dramaturgos do país.
O primeiro texto, "Barrela", em 59, é o jorro de indignação de um jovem que fugiu da escola, mas não perdeu tempo no aprendizado das ruas. Já traz a marca genuína de um autor dramático -a capacidade de criar diálogos verossímeis- e com uma contundência temática estranha para a época.
Na verdadeira obra de estreia, "Dois Perdidos numa Noite Suja", em 66, os críticos já reconheceram uma obra-prima, e, nos personagens, gente que nunca tinha antes frequentado nossos palcos. Eram menos idílicos do que os operários e sertanejos do teatro político e mais desbocados do que jamais tinham se permitido fazê-los nossos dramaturgos.
Na obra seguinte, "Navalha na Carne", de 67, retornavam os personagens das ruas degradadas e o deslumbramento da crítica. A potência de um desenho dramático enxuto, as falas autênticas e uma tensão violenta preparando o desfecho eram exemplares. É consenso que todos os dramaturgos que escreveram nos finais dos anos 60 e nos 70 foram motivados por esses êxitos iniciais de Plínio.
Ironicamente, nem ele conseguiu jamais se superar. Fosse com tentativas na mesma linha, como a de "O Abajur Lilás", de 69, alternativas mais espiritualizadas, como "Madame Blavatsky", de 85, ou líricas, como "Balada de um Palhaço", de 86. São bons textos, mas sem a força dramática dos primeiros.

"Bode" da ditadura
Por outro lado, sua contribuição como escritor e cronista, oscilante entre a descrição ácida do submundo e uma pieguice simplória que sempre recusou a politização convencional, vem gerando surpreendentes releituras, como a encenação do grupo Folias, neste ano, a partir da adaptação do romance "Querô: Uma Reportagem Maldita", de 76.
Plínio pagou caro em vida por tornar-se o "bode" favorito da censura do regime militar, um pouco como havia acontecido com Nelson Rodrigues, nos anos 40, com seu "teatro desagradável". Como apontou Nelson em 69, assim como ocorrera com ele, Plínio foi vítima de seu sucesso inicial.
É curioso aproximar esses dois autores, a princípio distintos na raiz, e percebê-los de fato como gêmeos. Cultivaram o mito de serem gênios instintivos, apesar de terem lido muita dramaturgia. Foram moralistas até a medula, sempre acusados de obscenos. Nunca compuseram com a esquerda e se mantiveram independentes em suas visões singulares. Amaram o futebol sobre todas as coisas. Construíram com seus dramas universos próprios e inconfundíveis. Reconheciam-se e respeitavam-se como iguais.
Talvez por isso, ainda hoje, quando se pensa no teatro brasileiro da segunda metade do século 20, os dois nomes que despontam absolutos sejam os de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos.

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