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ANÁLISE
Contundente, Plínio está à altura de Nelson
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Uma década é pouco para
avaliar o legado de um autor
dramático -que, no caso dos
maiores, costuma ser medido
em séculos. As 27 peças de Plínio Marcos formam uma obra
desigual, mas algumas poucas
delas já são suficientes para
afirmá-lo como um dos mais vigorosos dramaturgos do país.
O primeiro texto, "Barrela",
em 59, é o jorro de indignação
de um jovem que fugiu da escola, mas não perdeu tempo no
aprendizado das ruas. Já traz a
marca genuína de um autor
dramático -a capacidade de
criar diálogos verossímeis- e
com uma contundência temática estranha para a época.
Na verdadeira obra de estreia, "Dois Perdidos numa
Noite Suja", em 66, os críticos
já reconheceram uma obra-prima, e, nos personagens, gente
que nunca tinha antes frequentado nossos palcos. Eram menos idílicos do que os operários
e sertanejos do teatro político e
mais desbocados do que jamais
tinham se permitido fazê-los
nossos dramaturgos.
Na obra seguinte, "Navalha
na Carne", de 67, retornavam
os personagens das ruas degradadas e o deslumbramento da
crítica. A potência de um desenho dramático enxuto, as falas
autênticas e uma tensão violenta preparando o desfecho eram
exemplares. É consenso que todos os dramaturgos que escreveram nos finais dos anos 60 e
nos 70 foram motivados por esses êxitos iniciais de Plínio.
Ironicamente, nem ele conseguiu jamais se superar. Fosse
com tentativas na mesma linha, como a de "O Abajur Lilás", de 69, alternativas mais espiritualizadas, como "Madame
Blavatsky", de 85, ou líricas, como "Balada de um Palhaço", de
86. São bons textos, mas sem a
força dramática dos primeiros.
"Bode" da ditadura
Por outro lado, sua contribuição como escritor e cronista, oscilante entre a descrição
ácida do submundo e uma pieguice simplória que sempre recusou a politização convencional, vem gerando surpreendentes releituras, como a encenação do grupo Folias, neste ano,
a partir da adaptação do romance "Querô: Uma Reportagem Maldita", de 76.
Plínio pagou caro em vida
por tornar-se o "bode" favorito
da censura do regime militar,
um pouco como havia acontecido com Nelson Rodrigues,
nos anos 40, com seu "teatro
desagradável". Como apontou
Nelson em 69, assim como
ocorrera com ele, Plínio foi vítima de seu sucesso inicial.
É curioso aproximar esses
dois autores, a princípio distintos na raiz, e percebê-los de fato
como gêmeos. Cultivaram o
mito de serem gênios instintivos, apesar de terem lido muita
dramaturgia. Foram moralistas
até a medula, sempre acusados
de obscenos. Nunca compuseram com a esquerda e se mantiveram independentes em suas
visões singulares. Amaram o
futebol sobre todas as coisas.
Construíram com seus dramas
universos próprios e inconfundíveis. Reconheciam-se e respeitavam-se como iguais.
Talvez por isso, ainda hoje,
quando se pensa no teatro brasileiro da segunda metade do
século 20, os dois nomes que
despontam absolutos sejam os
de Nelson Rodrigues e Plínio
Marcos.
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