São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Osesp encerra temporada com as profecias de "Elias"

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"Os justos brilharão como o Sol no reino do Pai." É o que diz a ária do tenor, já perto do fim do oratório "Elias", de Mendelssohn (1809-47). Não parece uma profecia realista, a curto prazo; mas pelo menos tem essa música por consolo, fechando em chave simbolicamente rica mais uma temporada da Osesp na Sala São Paulo.
Na última quinta-feira, o sol mal se tinha posto quando começaram os incríveis corais do oratório. Composto em 1846, por encomenda do Festival de Birmingham, foi imediatamente tomado como contraparte romântico do barroco "Messias", de Haendel. Até hoje, continua muito popular, especialmente na Inglaterra, onde dezenas de corais escolares mastigam as fugas do "Elias".
De escolar, o coral da Osesp (preparado por Naomi Munakata) não tem nada. Soou grandioso quando a música pedia e intimista ou lírico de acordo com o texto. Falar em lirismo pode parecer estranho: não há profeta mais duro do que Elias no Velho Testamento. Causa até algum espanto associá-lo à figura delicada do compositor alemão. Mas não é justamente a combinação da sintética e arrojada poesia hebraica com as sublimidades vitorianas que define o tom do oratório?
Algo desse mesmo contraste se poderia notar no contraste entre a interpretação expressivíssima do barítono Christian Gerhaher, no papel principal, e as colorações menos dramáticas dos outros três solistas convidados: Claudia Barainsky (soprano), Stefanie Irányi (mezzo) e Oliver Ringelhahn (tenor).
A Orquestra Sinfônica do Estado, de sua parte, sob a regência de John Neschling, fez uma primeira parte relativamente contida, para depois se empolgar nos fogos contrapontísticos e/ou cantilenas da segunda.
Era quase como se as contradições assumidas por Mendelssohn -entre a vanguarda e a tradição, entre o sagrado e o profano, entre o coletivo e o individual- ganhassem ali uma encenação sonora, em que tudo, ao mesmo tempo, é efeito e substância.
Efeito de religião, por exemplo, transformando a sala de concertos em espaço litúrgico, e substância religiosa, traduzindo sentidos do texto bíblico em linguagem musical.
Numa ária como "Es ist Genug", que Gerhaher cantou com grande afeto, bem acompanhado pelo naipe de violoncelos, as melancolias barrocas de Bach são transportadas do século 18 para o 19, o que causa um estranho duplo impacto de proximidade e distância. Desse ponto de vista, o tom relativamente contido de que já se falou só ganhava maior pertinência.
Faltou falar das fugas: maravilhosas fugas, pontos altos do repertório romântico, que o maestro Neschling regeu com fluência e lucidez, mais do que aberta paixão. O que não deixa de ser um modo atual de escutar Mendelssohn.
De qualquer modo, já é paixão suficiente terminar 2005 com o profeta Elias subindo aos céus no carro de fogo. 2006 começa em março, com o "Réquiem" de Verdi, que foi escrito para um poeta, não um profeta, e renova morte e vida como só a música faz.


Elias
    
Quando: hoje, às 20h
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, região central de São Paulo, tel. 0/ xx/11/3351-8287)
Quando: de R$ 25 a R$ 79



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Política cultural: Prêmio em SP exclui Barreto e volta atrás
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.