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MARCELO COELHO
Habemus Senatum
Os senadores, às vezes, retomam as atividades pelas quais recebem copiosa remuneração
ASSISTI ATÉ o fim, madrugada
adentro, a sessão do Senado
que decidiu o fim da CPMF.
Não estava torcendo por nenhum
dos dois lados em confronto. Mas
adorei o espetáculo.
Arthur Virgílio está longe de ser
um Cícero; o carpete azul e vulgar
daquele plenário não pode aspirar
ao mármore austero dos tempos
clássicos, e duvido que uma toga de
linho caísse bem sobre os ombros do
senador Agripino.
Viciado que sou na minissérie
"Roma", da HBO, posso entretanto
dizer que a votação da CPMF, transmitida pela TV Senado, teve lances
de emoção e suspense capazes de rivalizar com qualquer roteirista de
Hollywood.
Com a greve dessa categoria profissional, é pelo menos um alento
ver que os senadores brasileiros, de
vez em quando, retomam as atividades pelas quais recebem sua copiosa
remuneração.
Um grande momento, aí pelas dez
e meia da noite, foi protagonizado
pelo senador Heráclito Fortes. Conhecia-o de alguns debates na CPI: a
dicção muito ruim, como se ele
guardasse quatro bolas de Natal entre as bochechas, nunca ajudou muito sua intenção de ser mordaz.
Ele sobe à tribuna, com um calhamaço nas mãos. Começa um discurso candente contra a CPMF. Interrompe-o logo depois. O lance estava
bem ensaiado. Ele diz que poderia
continuar seu raciocínio, mas que
tem ojeriza a plagiar textos de seus
colegas.
O discurso, na verdade, era do petista Paulo Paim, que a exemplo de
seus correligionários tinha sido pugnaz adversário do tributo durante as
calendas cardosianas.
A câmera da TV Senado captou
então o rosto de Paim, consumido
em fúria impotente e púnica. "Como
ele vai responder agora?", pergunta-se o espectador. Veio a resposta, mas
a oposição (que poderia ser acusada
da mesma incoerência que apontava
nos petistas) tinha, de todo modo,
lavrado um tento.
Um momento! Um momento!
Surge, esbaforido, um mensageiro
no palco apinhado e convulso dos
trabalhos. Mensagem de César!
Era uma carta do presidente da
República. Prometia repassar integralmente para a saúde a arrecadação do imposto. Mas eram mais de
dez e meia da noite; tucanos e demistas saboreavam o desespero da
serôdia concessão governamental:
tarde piaste, presidente! "De tardibus piantur non esse disputandibus."
Uma cartada extrema -e o senador Pedro Simon assoma ao microfone. Imagino que o microfone já se
assuste quando ele aparece; a gesticulação desabrida, o rosto que investe para todos os lados e a haste do
aparelho se inclina e sofre, junco frágil no deserto diante dos rugidos de
um leão.
Simon começa manso. Seria eu,
senhor presidente, a pessoa menos
indicada a defender este governo.
Certamente: era notório que o Planalto não o quisera na presidência
do Senado; quem ocupava o lugar,
naquela noite, não era o áspero senador gaúcho, mas sim um Garibaldi felicíssimo.
Com o rosto desfigurado de invectivas, Pedro Simon pede o impossível: que a sessão seja adiada por 12
horas, em função daquele dado novo
-a carta presidencial. "Devia ter sido mandada antes?" Ele grita.
"Sim." Gira na tribuna; contorce o
corpo. "Chegou tarde!" Simon concorda. "Chegou tarde. Mas chegou!"
Agita e amassa um papel nas mãos.
"Uma carta do pre-si-den-te da Re-pú-bli-ca! E não va-le na-da?"
Que, pelo menos, os senadores dedicassem algumas horas à leitura do
documento. Interrompe-o Heráclito Fortes. "Mas quantas páginas tem
essa carta, afinal?" Não tinha mais
de um parágrafo.
Com a palavra, Arthur Virgílio.
Passa uma descompostura no honrado adversário. Simon não vale
mais do que nenhum de nós! Rebaixa-se, servindo a tão simplória manobra do Executivo.
A coisa encrespa. Pedro Simon
responde que não ouvirá lições de
quem "tinha calças curtas" quando
ele, Simon, já curtia a pele nas duras
lides da República.
Estou de cabelo em pé. O líder do
governo vai falar. Persistirá na tática
do adiamento? Antes, uma questão
de ordem. O senador Agripino esclarece, cortante, que a oposição não
irá tolerar mais nenhum rodeio. Tudo irá azedar-se definitivamente,
ameaça. Romero Jucá toma então a
palavra. Sentiu o pulso do plenário.
Abandona a tática sugerida. Vote-se
a matéria.
Cai o pano; cai a CPMF. Desligo a
TV. Por Júpiter! Será que isso, então, é um Senado de verdade?
coelhofsp@uol.com.br
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