São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 2009

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Crítica/"Chagall"

Autora escreve biografia com habilidade de historiadora

Livro sobre Marc Chagall evita paixões exacerbadas e acerta ao provocar reflexão

TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao final da leitura de uma biografia bem-sucedida, pensa-se mais no biografado do que na biografia como forma. Não precisa ser assim, mas parece que a boa biografia é como o bom juiz de futebol: invisível em campo. E, quando sai uma resenha, é comum que resuma a história contada, mais do que fale do livro em si. Destino ingrato, o do biógrafo.
Pensar mais no biografado que na biografia como forma é o que ocorre com a leitura deste "Chagall" por uma autora que dirige a crítica de arte do "Financial Times", improvável para ler sobre arte, mas onde por vezes se encontra material melhor do que em muito periódico "normal" da área.
Pensar então primeiro em Chagall não impede de notar que o texto de Wullschlager é sólido e atraente. Como escolheu alguém morto há pouco, a autora pôde encontrar-se com uma neta do pintor e com uma ex-mulher, das quais obteve documentos inéditos que dão a seu livro um peso singular.
O prólogo não anima: a autora fala de "um dia abafado de 1943" quando quatro judeus russos se encontram numa sala "claustrofóbica" de Nova York e, "nervosos", conversam exaltados sobre o nazismo na Europa, suas famílias e a pintura, em meio a "pilhérias". Como a autora não diz em quê baseia a cena, a impressão é que se lerá mais uma biografia romanceada na qual a fantasia substitui a pesquisa. A autora, claramente, dramatiza. Se continuasse assim, poderia ser um desastre.
Mas em seguida toma o livro com mãos de historiadora e compõe uma narrativa segura e interessante sobre Chagall, a revolução soviética e suas decepções para o artista, o meio cultural de Paris (e seu chauvinismo), Berlim e Nova York , com todos os grandes artistas que fizeram essa época e seu sistema da arte.
Não é raro que o biógrafo se apaixone pelo biografado -e o ponha nas nuvens- ou o odeie -e arrase com ele. Wullschlager, porém, consegue um equilíbrio entre o que achou de elogiável e censurável em Chagall. O livro começa com uma frase curta que explica Chagall e a arte até a década de 1950: "Todo pintor nasce em algum lugar", disse o artista sobre sua origem russa e judia da qual não se livrou mesmo querendo ser um "artista do Ocidente".
Nascia. Hoje, o artista não mais depende de um lugar. Nesse arco aloja-se, sem que a autora o diga, toda uma história deste século e meio de arte. (O bom livro faz pensar no que não diz.)
E o resto da narrativa mostra um artista figurativo e romântico sobrevivendo aos "ismos" vanguardistas do século 20 para tornar-se ícone do público, se não dos colegas e da crítica.
Descrevendo o mundo ao redor da arte e as tragédias pessoais do artista, Wullschlager mostra assim, sem dizê-lo, como o estilo mais frequente da história da arte, e que sempre se impõe, é, afinal, o estilo tardio - que, se for bom, é sempre contemporâneo. Se fosse preciso ler as biografias dos artistas para entendê-los, não haveria tempo para ver sua arte.
E alguns, como Chagall, são tão transparentes que suas biografias mais confirmam a compreensão que deles se tem do que a instauram. Mas o livro recorda coisas que é bom ter em mente quando se vê a obra desse artista, na maior parte do tempo, apaixonado e apaixonante.

TEIXEIRA COELHO é escritor e curador do Masp, que fará mostra de Chagall em janeiro.


CHAGALL - VIDA E EXÍLIO

Autor: Jackie Wullschlager
Tradução: Maria Silvia Mourão Netto
Editora: Globo
Quanto: R$ 89 (735 págs.)
Avaliação: bom




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