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Crítica/"Chagall"
Autora escreve biografia com habilidade de historiadora
Livro sobre Marc Chagall evita paixões exacerbadas e acerta ao provocar reflexão
TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao final da leitura de uma
biografia bem-sucedida, pensa-se mais no
biografado do que na biografia
como forma. Não precisa ser
assim, mas parece que a boa
biografia é como o bom juiz de
futebol: invisível em campo. E,
quando sai uma resenha, é comum que resuma a história
contada, mais do que fale do livro em si. Destino ingrato, o do
biógrafo.
Pensar mais no biografado
que na biografia como forma é
o que ocorre com a leitura deste
"Chagall" por uma autora que
dirige a crítica de arte do "Financial Times", improvável para ler sobre arte, mas onde por
vezes se encontra material melhor do que em muito periódico
"normal" da área.
Pensar então primeiro em
Chagall não impede de notar
que o texto de Wullschlager é
sólido e atraente. Como escolheu alguém morto há pouco, a
autora pôde encontrar-se com
uma neta do pintor e com uma
ex-mulher, das quais obteve
documentos inéditos que dão a
seu livro um peso singular.
O prólogo não anima: a autora fala de "um dia abafado de
1943" quando quatro judeus
russos se encontram numa sala
"claustrofóbica" de Nova York
e, "nervosos", conversam exaltados sobre o nazismo na Europa, suas famílias e a pintura, em
meio a "pilhérias". Como a autora não diz em quê baseia a cena, a impressão é que se lerá
mais uma biografia romanceada na qual a fantasia substitui a
pesquisa. A autora, claramente,
dramatiza. Se continuasse assim, poderia ser um desastre.
Mas em seguida toma o livro
com mãos de historiadora e
compõe uma narrativa segura e
interessante sobre Chagall, a
revolução soviética e suas decepções para o artista, o meio
cultural de Paris (e seu chauvinismo), Berlim e Nova York ,
com todos os grandes artistas
que fizeram essa época e seu
sistema da arte.
Não é raro que o biógrafo se
apaixone pelo biografado -e o
ponha nas nuvens- ou o odeie
-e arrase com ele. Wullschlager, porém, consegue um equilíbrio entre o que achou de elogiável e censurável em Chagall.
O livro começa com uma frase curta que explica Chagall e a
arte até a década de 1950: "Todo pintor nasce em algum lugar", disse o artista sobre sua
origem russa e judia da qual
não se livrou mesmo querendo
ser um "artista do Ocidente".
Nascia. Hoje, o artista não mais
depende de um lugar. Nesse arco aloja-se, sem que a autora o
diga, toda uma história deste
século e meio de arte. (O bom
livro faz pensar no que não diz.)
E o resto da narrativa mostra
um artista figurativo e romântico sobrevivendo aos "ismos"
vanguardistas do século 20 para tornar-se ícone do público,
se não dos colegas e da crítica.
Descrevendo o mundo ao redor da arte e as tragédias pessoais do artista, Wullschlager
mostra assim, sem dizê-lo, como o estilo mais frequente da
história da arte, e que sempre
se impõe, é, afinal, o estilo tardio - que, se for bom, é sempre
contemporâneo. Se fosse preciso ler as biografias dos artistas
para entendê-los, não haveria
tempo para ver sua arte.
E alguns, como Chagall, são tão
transparentes que suas biografias mais confirmam a compreensão que deles se tem do
que a instauram. Mas o livro recorda coisas que é bom ter em
mente quando se vê a obra desse artista, na maior parte do
tempo, apaixonado e apaixonante.
TEIXEIRA COELHO é escritor e curador do
Masp, que fará mostra de Chagall em janeiro.
CHAGALL - VIDA E EXÍLIO
Autor: Jackie Wullschlager
Tradução: Maria Silvia Mourão Netto
Editora: Globo
Quanto: R$ 89 (735 págs.)
Avaliação: bom
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