São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

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WORLD MUSIC/"DIMANCHE A BAMAKO"

Dupla de Mali vira novo fenômeno

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

De tempos em tempos acontece: um artista indiano, asiático, brasileiro, cubano estoura no resto do mundo, ganhando a atenção por um momento do monopólico pop anglo-saxão. Aconteceu com a bossa nova nos anos 60 (e novamente nos anos 90), aconteceu com a música cubana na virada dos anos 00. Em outro aspecto, aconteceu com "Macarena", Shakira, Khaled -e o funk carioca está a caminho.
Quase sempre, o fenômeno acontece quando algum artista com maior mobilidade no mundo pop abraça o tal estilo "exótico" e lhe concede aquele primeiro verniz pop. Foi assim com Ry Cooder e o Buena Vista Social Club, Stan Getz e João Gilberto, os Beatles e Ravi Shankar.
Agora, o novo capítulo na história da linhagem do pop na world music vem de Mali, na figura de um casal de cegos com média de 50 anos, Amadou & Mariam, com uma pequena ajudinha do cantor pop francês descendente de espanhóis Manu Chao.
"Dimanche a Bamako" é o álbum mais recente da dupla, que toca junto há quase 30 anos e grava discos há quase 20. Sempre elogiados, pela primeira vez tiveram sucesso popular, tornando-se hit na Europa, vendendo mais de 100 mil cópias só na França e mais de meio milhão no mundo todo. O álbum chegou em meados de 2005 nos EUA e Inglaterra e acaba de ganhar edição nacional.
A história conta que Manu Chao conheceu a música de Amadou & Mariam pelo rádio. Convidou-os, levou-os a Paris e lá fez o disco: produziu, tocou, cantou, arranjou e compôs em parceria.
Algumas faixas soam como se houvessem saído de um disco solo dele, mas o resultado geral é um verdadeiro trabalho coletivo entre a dupla tradicional e o jovem francês. A sonoridade fica no limite entre a simplicidade charmosa do som malinês e a salada de referências quase nonsense de Chao -esse encontro é exatamente o que torna o disco tão interessante. Eles nitidamente estão se divertindo com as idéias dele, que nitidamente está inspirado pela riqueza da música deles.
Como todo disco de world music que se torna um fenômeno pop mundial, o álbum tem aquela leveza e charme que atrai até quem nunca ouviu nada do estilo original. No caso da dupla, o charme nasce da própria personalidade da música deles, simpática, divertida, com alto nível de doçura e até certa ingenuidade. Chao ainda amplifica a qualidade natural de Amadou & Mariam e faz com que a estética do tosco bem trabalhado fique mais atraente.
Com sua visão particular da música -sempre grande qualidade de artistas que surgem de fora dos principais pólos culturais-, o som da dupla tem inúmeras referências perceptíveis mas traduzidas para linguagem própria: delta blues, reggae, funk, rap light, música cubana.
Apresentados um ao outro quando ainda eram adolescentes no Instituto para Jovens Cegos de Bamako, são casados há 25 anos e têm três filhos. Têm letras simples e bonitas. A música é singela, que indústria nenhuma consegue fabricar. Ainda bem que existem as brechas por onde sempre podem surgir sons nada óbvios -e alguém duvida que há tantas outras maravilhas escondidas por aí?


Dimanche a Bamako
   
Artista: Amadou & Mariam
Lançamento: Nonesuch/Warner
Quanto: R$ 35, em média


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