São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO PEREIRA COUTINHO

O primeiro dia de Obama


O novo presidente entendeu que ideologia é menos importante do que a realidade

POBRE OBAMA. As expectativas sobre o homem são esmagadoras. O mundo acredita que, depois de Obama, virão a harmonia e a felicidade universais.
Tanta esperança pode acabar em desilusão. Como acabou em finais da década de 70, quando Jimmy Carter era o Obama da época: um homem que, perante um país desmoralizado e praticamente falido, se apresentava aos americanos como exemplo de caráter e mudança depois das sujidades de Nixon. Carter durou um mandato. A América entrou pelo cano.
Obama já está a desiludir, mesmo antes de governar. Falo da esquerda, claro, que não entende as escolhas do novo presidente na composição do seu governo.
Pessoalmente, as escolhas são compreensíveis e até sensatas. Obama entendeu, e entendeu muito bem, que a ideologia é menos importante do que a realidade. E a realidade não é otimista: com duas guerras no Oriente Médio (Iraque e Afeganistão) e a economia americana em estado comatoso, Obama não repetiu os erros de Carter, ou seja, não cedeu à ala mais radical dos democratas. Preferiu experiência e pragmatismo, sobretudo nas áreas que contam: a segurança e a economia.
Na segurança, o trio de Obama poderia ter sido o trio de McCain, ou quase. Brinco? Não brinco. Robert Gates permanece na equipe, como secretário da Defesa: Gates foi crucial ao apoiar a estratégia do general Petraeus no Iraque, a famosa "surge" que permitiu um decréscimo brutal da violência no país. Bush parte, mas ele fica.
James Jones, que será conselheiro da Segurança Nacional, é um velho amigo de McCain, que teria lugar certo numa administração do republicano.
Só Hillary Clinton, secretária de Estado, perturba a composição, "ma non troppo". Quais as ideias da sra. Clinton? Retirar do Iraque (gradualmente), reforçar a presença americana no Afeganistão (rapidamente) e tentar tudo, repito, tudo, para impedir o Irã de chegar à bomba.
McCain poderia subscrever essas palavras. Obama subscreveu. E, ironia maior, o segundo mandato de Bush já apontava nesse sentido.
Mas o verdadeiro desafio de Obama será a economia. Depois de estabilizar o mercado financeiro, como pôr a economia americana novamente a crescer? A ala mais radical dos democratas esperava de Obama um regresso a Roosevelt, que o mesmo é dizer: um aumento brutal do investimento público como forma de gerar mais emprego e garantir mais proteção social.
A resposta de Obama foi dupla: primeiro, recorreu à experiência de economistas moderados, como Larry Summers e Tim Geithner, que trataram de explicar ao novo presidente que Roosevelt não fez milagres; foi a Segunda Guerra Mundial que deu o impulso produtivo de que a América precisava.
Obama ouviu a lição e caminhou para um compromisso: haverá despesa federal maciça, sim, mas haverá também cortes de impostos para famílias e empresas, um convite ao consumo e ao investimento que o próprio Reagan não desdenharia.
Será que vai funcionar? Só o futuro dirá. O futuro, aliás, terá palavras decisivas: sobre o sucesso das políticas econômicas de Obama; mas também sobre o verdadeiro legado de George W. Bush.
Hoje, falar de Bush é precipitar ataques cardíacos em certos círculos sofisticados. Mas os círculos sofisticados deveriam aprender que a história não se confunde com a opinião transitória do momento. Warren Harding foi amado no seu tempo; hoje, é consensualmente um medíocre. Kennedy, pelo contrário, é o príncipe perfeito de Camelot. Toda a gente já esqueceu que o Vietnã começou com ele.
E Bush? Sim, houve desastres inapagáveis, e o próprio George, na sua última coletiva, teve alguma sensatez ao dizer que lamentava certos triunfalismos precoces na guerra iraquiana (fato); os abusos na prisão de Abu Ghraib (idem); e a ausência de armas de destruição maciça no país de Saddam (ibidem).
Mas Bush defendeu o seu legado com uma verdade demolidora: depois do 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos não voltaram a ser atacados por terroristas.
É pouco? Discordo. É tudo. E daqui a 30 ou 40 anos, quando se escrever a história do nosso tempo com distância macroscópica, aposto que será esse fato -oito anos sem ataques terroristas em solo americano- que acabará por definir e até redimir Bush. O resto -Afeganistão, Iraque, Irã, crise econômica etc.- dependerá do senhor que se segue.

jpcoutinho@folha.com.br


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Tapa encena "crise do indivíduo" por Vianinha
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.