|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Tapa encena "crise do indivíduo" por Vianinha
Núcleo de Estudos do grupo estreia "Mão na Luva", texto pouco conhecido do dramaturgo
Autor abre mão da crítica ao sistema para retratar o fim de um casamento; peça
é apresentada de terça a domingo, em São Paulo
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de nove anos, cai a
noite sobre o casamento de Lúcio e Sílvia. Regada a confissões
de infidelidade, cobranças de
ilusões perdidas e uma ou outra
recaída apaixonada, será uma
madrugada a perder de vista.
O acerto de contas é radiografado por Oduvaldo Vianna
Filho (1936-1974), o Vianinha,
na peça "Mão na Luva", que ganha montagem do Núcleo de
Estudos do grupo Tapa a partir
de hoje, reeditando o formato
de temporada de terça a domingo. Escrito em 66, o texto só
veio a público em 84, dez anos
após a morte do dramaturgo.
"É a criação mais pessoal do
Vianinha", explica o diretor
Eduardo Tolentino, que produziu o espetáculo. "Ele provavelmente achou que falar da crise
de um casal não cabia naquele
engajamento dele, em plena ditadura. Por isso, engavetou."
Como aponta Tolentino, o
dramaturgo aqui troca "a crise
do sistema pela do indivíduo"
-ele que traçara o
perfil de um ditador latino em "Papa Highirte" e encarara a reforma
agrária em "Os
Azeredo Mais os
Benevides".
"Em "Mão", a política é quase um
pano de fundo. O
foco é a crise ética
do Lúcio, o fato de
se vender para alguém com quem
não concorda",
afirma o diretor.
Em certa medida, Vianinha desenha um alter ego
na figura do jornalista (agora) despido de utopias esquerdistas que diz
à mulher não largar o posto medíocre "pra ter
jardim de infância que eles [os
filhos] têm, pra ter a varanda, e
disco que não chegou aqui".
"É bom lembrar que, pouco
depois [de escrever a peça], ele
vai trabalhar na TV Globo. Eles
[os escritores de esquerda]
achavam que iam entrar lá e estourar o sistema por dentro.
Mas dali a pouco, aquilo começou a dar dinheiro", lembra Tolentino. "Esse é um diferencial
do Vianinha: falar da crise da
esquerda por dentro, da possibilidade de passar para o outro
lado. É a crise do herói diante
do alter ego indesejado."
Palco é vitrine
Tolentino conta que o formato da temporada de "Mão na
Luva" (de terça a domingo) é
uma tentativa de recuperar "o
sentido do ofício".
"O teatro é uma coisa para
ser feita todo dia. Se você se
apresenta uma vez por semana
e tem de dividir o palco com outras oito peças, há uma perda
artística, de luz e cenário. E em
termos profissionais, ninguém
vive de uma sessão semanal.
Então, fica-se dependente do
Estado e da iniciativa privada."
Para ele, a ida de atores para a
TV, o "trânsito brutal" e a violência ajudaram a encurralar
parte da produção teatral nos
fins de semana. "Mas
se fosse só isso, não
haveria peças de terça a sexta. Acontece
que a dependência
da iniciativa privada
ou do Estado gerou
uma acomodação: a
bilheteria não é fator
importante. O que
importa é a vitrine."
MÃO NA LUVA
Quando: estreia hoje;
ter. e sáb., às 21h; dom.,
às 19h; até 15/2
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente,
1.323, tel. 0/xx/11/
3801-1843)
Quanto: R$10 (ter. e
qua.), R$ 20 (qui. e sex.)
e R$ 30 (sáb e dom.)
Classificação: não indicado a menores de 14
anos
Texto Anterior: João Pereira Coutinho: O primeiro dia de Obama Próximo Texto: Por que ver Índice
|