São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

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Tapa encena "crise do indivíduo" por Vianinha

Núcleo de Estudos do grupo estreia "Mão na Luva", texto pouco conhecido do dramaturgo

Autor abre mão da crítica ao sistema para retratar o fim de um casamento; peça é apresentada de terça a domingo, em São Paulo


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de nove anos, cai a noite sobre o casamento de Lúcio e Sílvia. Regada a confissões de infidelidade, cobranças de ilusões perdidas e uma ou outra recaída apaixonada, será uma madrugada a perder de vista.
O acerto de contas é radiografado por Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianinha, na peça "Mão na Luva", que ganha montagem do Núcleo de Estudos do grupo Tapa a partir de hoje, reeditando o formato de temporada de terça a domingo. Escrito em 66, o texto só veio a público em 84, dez anos após a morte do dramaturgo.
"É a criação mais pessoal do Vianinha", explica o diretor Eduardo Tolentino, que produziu o espetáculo. "Ele provavelmente achou que falar da crise de um casal não cabia naquele engajamento dele, em plena ditadura. Por isso, engavetou."
Como aponta Tolentino, o dramaturgo aqui troca "a crise do sistema pela do indivíduo" -ele que traçara o perfil de um ditador latino em "Papa Highirte" e encarara a reforma agrária em "Os Azeredo Mais os Benevides".
"Em "Mão", a política é quase um pano de fundo. O foco é a crise ética do Lúcio, o fato de se vender para alguém com quem não concorda", afirma o diretor.
Em certa medida, Vianinha desenha um alter ego na figura do jornalista (agora) despido de utopias esquerdistas que diz à mulher não largar o posto medíocre "pra ter jardim de infância que eles [os filhos] têm, pra ter a varanda, e disco que não chegou aqui".
"É bom lembrar que, pouco depois [de escrever a peça], ele vai trabalhar na TV Globo. Eles [os escritores de esquerda] achavam que iam entrar lá e estourar o sistema por dentro.
Mas dali a pouco, aquilo começou a dar dinheiro", lembra Tolentino. "Esse é um diferencial do Vianinha: falar da crise da esquerda por dentro, da possibilidade de passar para o outro lado. É a crise do herói diante do alter ego indesejado."

Palco é vitrine
Tolentino conta que o formato da temporada de "Mão na Luva" (de terça a domingo) é uma tentativa de recuperar "o sentido do ofício".
"O teatro é uma coisa para ser feita todo dia. Se você se apresenta uma vez por semana e tem de dividir o palco com outras oito peças, há uma perda artística, de luz e cenário. E em termos profissionais, ninguém vive de uma sessão semanal.
Então, fica-se dependente do Estado e da iniciativa privada."
Para ele, a ida de atores para a TV, o "trânsito brutal" e a violência ajudaram a encurralar parte da produção teatral nos fins de semana. "Mas se fosse só isso, não haveria peças de terça a sexta. Acontece que a dependência da iniciativa privada ou do Estado gerou uma acomodação: a bilheteria não é fator importante. O que importa é a vitrine."


MÃO NA LUVA
Quando: estreia hoje; ter. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 15/2
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente, 1.323, tel. 0/xx/11/ 3801-1843)
Quanto: R$10 (ter. e qua.), R$ 20 (qui. e sex.) e R$ 30 (sáb e dom.)
Classificação: não indicado a menores de 14 anos



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