São Paulo, sábado, 20 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Teologia do rock não liga pra dogmas

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A música sempre esteve associada ao êxtase religioso, aos rituais, à língua dos anjos, mas é a língua dos homens que sempre nos mete em enrascadas.
Até os anos 50, os compositores compunham e os cantores cantavam. Foi a partir de Bob Dylan, dos Beatles, de Chico Buarque no Brasil, que surgiu o que os latinos chamam de cantautor, o intérprete pensante.
Esse trovador moderno, alimentado pelos textos incendiários da geração beat, chega para deflagrar a revolução de costumes, a contracultura, as canções de protesto em plena ditadura, Vietnam, a luta de classes, a questão racial. Eram muitas perguntas, e a resposta, "was blowin"in the wind" [estava soprando no vento].
"Somos mais famosos que Jesus Cristo". Com essa bravata John Lennon detonou uma nunca antes vista revolta na América cristã, a mídia conclamando os fãs a queimarem qualquer produto beatle em piras funerárias. A teologia do rock não liga pros dogmas. Lennon teve que se explicar, mas isso só aguçou ainda mais sua língua afiada, e anos mais tarde, ele cantaria que Deus é um conceito pelo qual medimos a nossa dor, na faixa "God".
O rock é, antes de tudo, liberação. Política, sexual, religiosa, liberação dos grilhões da escravidão, das barreiras entre raças, da repressão sexual, desde os bluesmen até Madonna, com "Papa, don"t Preach". O Papa é pop, e o pop não poupa ninguém. Com seus holofotes, alto-falantes e balas na metralhadora giratória, o pop reza pela sua própria cartilha, e o rebanho, ávido por um pastor, bebe cada gota de tinta despejada na imprensa. São notórios no Brasil, por exemplo, os comentários "polêmicos" de Caetano sobre qualquer coisa.
Sir Elton John não é nenhum Dylan, mas foi personagem fundamental na disseminação do movimento gay, um músico talentosíssimo, quase um Mozart moderno. Se Jesus era gay, ninguém pode afirmar com certeza, apesar do claro aspecto sexy de sua representação clássica e dos rumores constantes deste tipo de prática na igreja católica, mas inteligentíssimo, sem dúvida.
Já o que se passa debaixo das burcas no Oriente Médio, isso nem Deus sabe. Mas Elton tem direito à sua opinião. O que você vai fazer com isso, bom, aí é problema seu. Como diz em um de seus álbuns, "Don't shoot me, I'm only the piano player" [não atire em mim, sou apenas o pianista]. Ou, por Lennon, "the way things are goin", they"re gonna crucify me" [do jeito que as coisas vão, irão me crucificar]. Amém!

PAULO RICARDO é cantor e compositor



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