|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Teologia do rock não liga pra dogmas
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A música sempre esteve
associada ao êxtase religioso, aos rituais, à língua dos anjos, mas é a língua
dos homens que sempre nos
mete em enrascadas.
Até os anos 50, os compositores compunham e os cantores
cantavam. Foi a partir de Bob
Dylan, dos Beatles, de Chico
Buarque no Brasil, que surgiu o
que os latinos chamam de cantautor, o intérprete pensante.
Esse trovador moderno, alimentado pelos textos incendiários da geração beat, chega para
deflagrar a revolução de costumes, a contracultura, as canções de protesto em plena ditadura, Vietnam, a luta de classes,
a questão racial. Eram muitas
perguntas, e a resposta, "was
blowin"in the wind" [estava soprando no vento].
"Somos mais famosos que
Jesus Cristo". Com essa bravata John Lennon detonou uma
nunca antes vista revolta na
América cristã, a mídia conclamando os fãs a queimarem
qualquer produto beatle em piras funerárias. A teologia do
rock não liga pros dogmas. Lennon teve que se explicar, mas
isso só aguçou ainda mais sua
língua afiada, e anos mais tarde,
ele cantaria que Deus é um conceito pelo qual medimos a nossa dor, na faixa "God".
O rock é, antes de tudo, liberação. Política, sexual, religiosa, liberação dos grilhões da escravidão, das barreiras entre
raças, da repressão sexual, desde os bluesmen até Madonna,
com "Papa, don"t Preach".
O Papa é pop, e o pop não
poupa ninguém. Com seus holofotes, alto-falantes e balas na
metralhadora giratória, o pop
reza pela sua própria cartilha, e
o rebanho, ávido por um pastor,
bebe cada gota de tinta despejada na imprensa. São notórios
no Brasil, por exemplo, os comentários "polêmicos" de Caetano sobre qualquer coisa.
Sir Elton John não é nenhum
Dylan, mas foi personagem
fundamental na disseminação
do movimento gay, um músico
talentosíssimo, quase um Mozart moderno.
Se Jesus era gay, ninguém
pode afirmar com certeza, apesar do claro aspecto sexy de sua
representação clássica e dos rumores constantes deste tipo de
prática na igreja católica, mas
inteligentíssimo, sem dúvida.
Já o que se passa debaixo das
burcas no Oriente Médio, isso
nem Deus sabe. Mas Elton tem
direito à sua opinião. O que você vai fazer com isso, bom, aí é
problema seu. Como diz em um
de seus álbuns, "Don't shoot
me, I'm only the piano player"
[não atire em mim, sou apenas
o pianista]. Ou, por Lennon,
"the way things are goin",
they"re gonna crucify me" [do
jeito que as coisas vão, irão me
crucificar]. Amém!
PAULO RICARDO é cantor e compositor
Texto Anterior: Música x Igreja Próximo Texto: Espanha quer se tornar referência em arte latina Índice
|