São Paulo, sexta, 20 de fevereiro de 1998

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FESTIVAL DE BERLIM
"A Casa do Mestre" traz imagens inéditas de um cineasta descontraído; dia de competição foi fraco
Documentário revela outro Eisenstein

AMIR LABAKI
enviado especial a Berlim

"A Casa do Mestre" é o documentário certo na hora certa. Lançado anteontem no Fórum Internacional do Novo Cinema, celebra o centenário de nascimento do cineasta letão Serguei Eisenstein combatendo a canonização e dando-lhe inédita humanidade.
Realizado em vídeo para a rede de televisão franco-germânica Arte, "A Casa do Mestre" não se limita a biografar como numa enciclopédia fílmica o maior nome do cinema soviético. Assim, nada de legendas para cada personagem ou para cada filme citado. A trajetória de Eisenstein surge comentada por cenas do cinema clássico, incluindo suas próprias obras.
O filme divide-se em capítulos nomeados a partir das várias "casas" do diretor, tanto do ponto de vista geográfico quanto do metafórico. Segue-se, por exemplo, Eisenstein da "casa paterna" ao "túmulo", passando pela "casa de vidro", referência a seu longo período extra-soviético anterior à aventura mexicana, e pela "catedral" -entenda-se "Ivan, o Terrível".
A vida burguesa da família Eisenstein pré-1917 surge retratada pelas corrosivas sátiras de Erich von Stroheim. A resistência ao nazismo remete a "O Grande Ditador", de Chaplin. Melodramas do realismo socialista ilustram de forma cômica a loucura staliniana.
O melhor são as imagens inéditas. Extratos recém-descobertos de cinejornais e documentários trazem inúmeros instantâneos do cotidiano do diretor. A figura compenetrada das fotos mais conhecidas matiza-se frente ao descontraído Eisenstein em ação.
Seu carisma revela-se então por inteiro. Ei-lo aqui morrendo de rir ao errar várias vezes o texto num documentário sobre os bastidores de uma filmagem na URSS dos anos 30. Vários trechos exibem sua pouco estudada faceta de professor, ensinando aqui as diferentes possilidades de um enquadramento, corrigindo acolá exercícios de direção de atores.
O triunfo de "A Casa do Mestre" agiganta-se quando se sabe que o documentário foi produzido em apenas três meses. O feito se explica pela presença como roteirista da maior autoridade eisensteniana, o russo Naum Kleiman, diretor da Cinemateca de Moscou e curador do pequeno museu dedicado ao cineasta. A competente direção é assinada pelos também russos Marianna Kirejewa e Alexander Iskin. Toda escola de cinema deveria reservar em sua videoteca um lugar de honra para este delicioso documentário.
Competição
Nada de novo no front da competição ontem. "Xiu Xiu" é uma estréia modesta, mas competente, da atriz Joan Chen ("O Último Imperador") atrás das câmeras. A trama acompanha as desventuras de uma jovem estudante urbana que é esquecida no interior do país pelos burocratas da retrógrada Revolução Cultural (1966-75).
"The Boys" inaugurou a participação australiana na disputa. Rowan Woods mostra-se um discípulo aplicado, mas sem brilho, do novo realismo de Mike Leigh ("Segredos e Mentiras"). Muita câmera na mão e uma narrativa pontuada por idas e vindas no tempo tentam imprimir desconforto na apresentação do dia-a-dia de uma família torturada por três irmãos desajustados. Pena que, até chegar ao bom final, seja tão repetitivo.



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