São Paulo, terça-feira, 20 de março de 2001

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TEATRO

Nova peça da autora paulista estréia na Itália antes de chegar ao país

Leilah vai a Roma com "Intimidade Indecente"

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Pela primeira vez, uma peça de Leilah Assumpção estréia no exterior antes de chegar aos palcos brasileiros. Trata-se de "Intimidade Indecente", seu texto mais atual, de 2001, que no próximo mês entra em cartaz no teatro Argot, em Roma, em montagem do grupo italiano Scena Sensibile.
A peça deveria estrear no Brasil ainda este ano, protagonizada pela atriz Irene Ravache, mas a produção não vingou por dificuldades na captação de recursos.
"É um sintoma de que fazer teatro por aqui continua sendo uma via-crúcis", diz a autora paulista Leilah, 56, com a experiência de ter produzido suas duas últimas peças em São Paulo, "Adorável Desgraçada" e "O Momento de Mariana Martins".
O intercâmbio com Roma surgiu no ano passado, quando a autora participou do sétimo Encontro de Teatro e Literatura Feminina, organizado pelo Scena Sensibile, na Embaixada do Brasil, ao lado das colegas Maria Adelaide Amaral ("Querida Mamãe") e Cristina Mutarelli ("Pai").
Para o ciclo de leituras dramáticas com peças brasileiras, os organizadores pediram a Leilah o seu texto mais conhecido, "Fala Baixo, Senão Eu Grito" (69). Ela, no entanto, enviou-lhes uma segunda alternativa, "Intimidade Indecente", eleita para o encontro.
Apesar da perspectiva feminina do encontro italiano, a nova peça de Leilah é a que lança um olhar mais afetivo para a figura masculina em toda a sua dramaturgia.
"Não é um olhar maternal, mas amoroso em relação ao homem, o bicho homem com o qual lidei com mais revolta no início", afirma. Para se ter idéia, em "Fala Baixo, Senão Eu Grito" o embate de Mariazinha, a protagonista, se dá com o Homem, personagem sem nome.
O "machão" dos anos 60 e 70, na concepção de Leilah, tende a se humanizar mais em favor do amadurecimento na união de homens e mulheres.
"Intimidade Indecente" apanha um casal em crise de separação, após 20 anos da troca de alianças. Mariano é cinquentão, Roberta passou dos 40. Ele, clássico, assume paixão pela melhor amiga da filha, com menos de 20 anos. Ela, mordaz, insinua que o marido está sublimando uma atração pela própria filha. Não à toa, ambos frequentam terapeutas.
Cada um para o seu lado, Roberta e Mariano seguem novas vidas. Ela, em particular, desabrocha sua sexualidade e descobre seu corpo após experimentar um relacionamento homossexual.
A peça se desenvolve a partir das estações dos separados, década a década, até entrarem na casa dos 80 anos, quando suas vidas completam o ciclo do eterno retorno e, agora sim, desfrutam do romantismo consagrado àqueles que conseguem chegar lá. Para a dramaturga, o mito da estética é um vilão. "Cada idade tem a sua beleza", afirma.
"Intimidade Indecente" crê na capacidade de os amantes continuarem o sendo vida adentro. Leilah critica o que define como certa irresponsabilidade dos casais que, ao menor rumor, conclamam a separação como álibi para uma felicidade presumida.
"Eu sou da geração dos anos 60, da contracultura, a geração que experimentou a liberdade sexual, as novas formas de relacionamento, uma oposição ao "para sempre" da minha mãe, por exemplo", afirma a autora.
"Mas hoje passamos da responsabilidade à irresponsabilidade total nos relacionamentos, sobretudo aqueles que têm filhos e não conseguem encontrar um chão mais sólido para continuar."
O subtexto da peça, como sugere o título, também está preservado. "A maravilha do amor é a intimidade. Pode-se até conseguir 20 anos de intimidade em uma transa, em detrimento daqueles que estão juntos há 20 anos e nunca a encontram, justamente por considerá-la indecente."
Alvo de teses em universidades estrangeiras, sobretudo latino-americanas (ao lado de Consuelo de Castro, oferece subsídios para a situação da mulher durante os regimes militares na região), Leilah Assumpção está buscando uma editora para publicar, até o próximo ano, em único volume, dez das suas 20 peças escritas em 32 anos de carreira. Ela acredita retratar a trajetória da mulher, e não apenas brasileira, na segunda metade do século passado.
Em ordem cronológica, são elas: "Vejo Vulto na Janela, Me Acudam que Sou Donzela" (64), "Fala Baixo, Senão Eu Grito" (69), "Jorginho, o Machão" (70), "Roda Cor de Rosa" (74), "Kuka - O Segredo da Alma de Ouro" (81), "Boca Molhada de Paixão Calada" (84), "Lua Nua" (88), "Adorável Desgraçada" (94), "O Momento de Mariana Martins" (99) e "Intimidade Indecente" (2001).


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