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CECILIA GIANNETTI
Mendigos de estimação
Pode ser uma família inteira, um casal e, às vezes, há ainda o vira-latas de estimação do nosso mendigo de estimação
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O RIO de Janeiro continua lançando moda. E o verão passado foi rico em tendências que
outras metrópoles hão de adotar.
Não me refiro ao Coqueirão na
praia, árvore que virou "point" em
Ipanema, roubando freqüentadores
do badalado Posto Nove para seus
arredores. Nem ao iPod embrulhado em camisinha não-lubrificada,
para evitar contaminação por areia,
água e outras substâncias. Tendência forte mesmo, com boa chance de
se espalhar, é a dos mendigos de estimação.
Tudo começou quando proibiram
os chuveirinhos nas marquises dos
prédios cariocas. Era a onda do verão passado, que sobreviveu até o
começo deste ano, quando as autoridades (risos) implicaram com a coisa. Os chamados chuveirinhos eram
canos de PVC furados que, grudados
às marquises de prédios da zona sul,
molhavam a população de rua que
tivesse eleito aquele naco de calçada
como residência.
Ou seja: quando deitava um mendigo sob um desses prédios, e o sujeito já se ajeitava sobre o papelão
para descansar, o porteiro ou alguma síndica (por vezes uma controversa cocoroca, por vezes cidadã
realmente alegre, mas com uma
quedinha pelo nazi-fascismo) ligava
a torneira. E o cano, que cobria, de
cima, a calçada inteira, dava banho
no pobre.
Pois um dia as autoridades (risos)
proibiram o chuveirinho nazista. O
carioca, adepto de modismos radicais, logo abraçou outra solução.
Abraçou meio a contragosto. Pois a
solução fedia: era a vez de adotar
mendigos de estimação.
Pode ser uma família inteira, um
casal e, às vezes, há ainda o vira-latas
de estimação do mendigo de estimação -que também vira latas. O fato é
que passou a ser mais vantajoso para
os moradores dos predinhos de altos
IPTUs manterem sob suas marquises mendigos de confiança.
Se todos os dias -ao sair pela manhã ou chegar "zêbado" durante a
madrugada- encontrar na calçada
um rosto familiar, a quem já deu um
pedaço de pão e até contribuiu com
um cobertor velho para quando o inverno chegar, o distinto morador do
edifício sente-se, de certa maneira,
protegido. Não pode contar com as
autoridades (risos) para protegê-lo
nem aos mendigos.
É melhor ter ali o mesmo mendigo
sempre (seu mendigo de estimação)
do que outro qualquer a quem nunca deu pão nem cobertor, com quem
não desenvolveu a relação de bom-dia/boa- noite. Cujas intenções desconhece.
Os mendigos de estimação, num
acordo silencioso com os moradores
que pagam IPTU, passaram até a defecar no canteiro de plantas em
frente ao prédio, adubando-o, em
vez de fazer na calçada, como na
época do chuveirinho, quando viviam com raiva pela maneira como
eram tratados.
A realidade se tornou tão grotesca
que está destruindo o império do
politicamente correto. Por isso uso o
termo "mendigos de estimação"
sem culpa. São reais. Não há maneira mais real de nomeá-los senão
com a alcunha que os aproxima de
seus vira-latas fiéis, com quem
dormem debaixo das marquises
dos prédios.
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