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crítica
Longa vê idoso com carinho, mas sem paternalismo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Chega de Saudade" é o que se
costuma chamar
de um filme "redondo". Entrelaça com habilidade e delicadeza os destinos de um
punhado de personagens em
um baile da terceira idade.
Essa redondeza, que é uma
grande virtude do filme, talvez seja também seu calcanhar-de-aquiles. Os destinos
todos têm um desfecho definido, e nenhum ponto fica
sem nó. Se algumas arestas
tivessem sobrado aqui e ali,
"Chega de Saudade" seria
provavelmente mais vivo e
menos esquemático.
Há, por exemplo, o memorável casal idoso composto
pelo rabugento Álvaro (Leonardo Vilar) e a doce e algo
esclerosada Alice (Tônia
Carrero). Estabelecido o padrão de relacionamento entre eles -os resmungos dele,
a mágoa dela-, tudo se torna
mais ou menos programático e previsível, incluindo o
desfecho romântico.
Outros personagens, como
a lasciva Rita (Clarisse Abujamra), que prolonga em
amassos o ardente tango
com um argentino, são praticamente unidimensionais.
O filme cresce quando a vida parece escapar pelas bordas, como na movediça relação entre o cinqüentão Eudes (Stepan Nercessian) e a
jovem Bel (Maria Flor), namorada do DJ do baile, ou na
luminosa aparição do personagem de Jorge Loredo, que
"viu a morte de perto".
Do ponto de vista da realização, "Chega de Saudade" é
um notável "tour de force"
(sobretudo do fotógrafo Walter Carvalho e do montador
Paulo Sacramento), ao manter o ritmo envolvente e a
impressão de ser narrado em
tempo real, algo raro no cinema brasileiro.
Boa trilha sonora
Só há um problema quanto
a isso: faltam planos gerais
que descrevam melhor o ambiente no conjunto, mostrando a posição dos personagens em relação uns aos
outros. No mais, a trilha sonora -que vai do samba ao
rock, passando pelo bolero e
a lambada- é muito bem escolhida e conduzida, com direito ao luxo de ter Elza Soares como crooner.
Some-se a isso o olhar carinhoso da diretora aos dramas e pulsões de seus personagens e o carisma de alguns
atores veteranos (Vilar, Nercessian, Carrero, Loredo), e o
resultado é um filme delicioso de se ver, que trata a idade
madura com maturidade e
sem paternalismo, o que de
certo modo até surpreende,
em se tratando de realizadores (diretora e roteirista) tão
jovens.
Um pouco menos da eficiência de um Ettore Scola
(inspiração assumida pelo
roteirista Luiz Bolognesi) e
um pouco mais da desmedida de um Fellini ou de um
Bertolucci talvez tornassem
"Chega de Saudade" um
grande filme.
CHEGA DE SAUDADE
Produção: Brasil, 2007
Direção: Laís Bodanzky
Com: Stepan Nercessian, Tônia Carrero, Leonardo Villar, Maria Flor
Onde: pré-estréia hoje no Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz; estréia amanhã em circuito
Avaliação: bom
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