São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2008

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crítica

Longa vê idoso com carinho, mas sem paternalismo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Chega de Saudade" é o que se costuma chamar de um filme "redondo". Entrelaça com habilidade e delicadeza os destinos de um punhado de personagens em um baile da terceira idade.
Essa redondeza, que é uma grande virtude do filme, talvez seja também seu calcanhar-de-aquiles. Os destinos todos têm um desfecho definido, e nenhum ponto fica sem nó. Se algumas arestas tivessem sobrado aqui e ali, "Chega de Saudade" seria provavelmente mais vivo e menos esquemático.
Há, por exemplo, o memorável casal idoso composto pelo rabugento Álvaro (Leonardo Vilar) e a doce e algo esclerosada Alice (Tônia Carrero). Estabelecido o padrão de relacionamento entre eles -os resmungos dele, a mágoa dela-, tudo se torna mais ou menos programático e previsível, incluindo o desfecho romântico.
Outros personagens, como a lasciva Rita (Clarisse Abujamra), que prolonga em amassos o ardente tango com um argentino, são praticamente unidimensionais.
O filme cresce quando a vida parece escapar pelas bordas, como na movediça relação entre o cinqüentão Eudes (Stepan Nercessian) e a jovem Bel (Maria Flor), namorada do DJ do baile, ou na luminosa aparição do personagem de Jorge Loredo, que "viu a morte de perto".
Do ponto de vista da realização, "Chega de Saudade" é um notável "tour de force" (sobretudo do fotógrafo Walter Carvalho e do montador Paulo Sacramento), ao manter o ritmo envolvente e a impressão de ser narrado em tempo real, algo raro no cinema brasileiro.

Boa trilha sonora
Só há um problema quanto a isso: faltam planos gerais que descrevam melhor o ambiente no conjunto, mostrando a posição dos personagens em relação uns aos outros. No mais, a trilha sonora -que vai do samba ao rock, passando pelo bolero e a lambada- é muito bem escolhida e conduzida, com direito ao luxo de ter Elza Soares como crooner.
Some-se a isso o olhar carinhoso da diretora aos dramas e pulsões de seus personagens e o carisma de alguns atores veteranos (Vilar, Nercessian, Carrero, Loredo), e o resultado é um filme delicioso de se ver, que trata a idade madura com maturidade e sem paternalismo, o que de certo modo até surpreende, em se tratando de realizadores (diretora e roteirista) tão jovens.
Um pouco menos da eficiência de um Ettore Scola (inspiração assumida pelo roteirista Luiz Bolognesi) e um pouco mais da desmedida de um Fellini ou de um Bertolucci talvez tornassem "Chega de Saudade" um grande filme.


CHEGA DE SAUDADE
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Laís Bodanzky
Com: Stepan Nercessian, Tônia Carrero, Leonardo Villar, Maria Flor
Onde: pré-estréia hoje no Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz; estréia amanhã em circuito
Avaliação: bom


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