São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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Crítica

Aos 84, B.B. King emociona em SP

Guitarrista americano desfilou clássicos em show e faz hoje sua última apresentação na cidade, com ingressos esgotados

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Bourbon Street parecia, na quinta, um templo onde fiéis se reuniam para o culto, presidido pelo papa em pessoa; Riley B. King, que depois mudaria seu nome para Beale Street Blues Boy, depois para Blues Boy King e, finalmente, para B.B. King, o embaixador do blues.
Com ingresso a R$ 950 (e com uma fila de espera de mais de mil pessoas), a entrada não se parecia em nada com o tumulto de um show de um artista daquela abrangência. Logo de cara, encontrei Júnior Moreno, vocalista da banda Blue Jeans (que já abriu para o mestre em outras temporadas -é a sétima vez que B.B. toca na casa) e primeiro baterista do RPM, antes mesmo do ex-Titã Charles Gavin e de P.A.
Me emocionei diante daquele bluesman de fala macia, que pontuava cada frase com um "all right". Aquela seria a primeira de muitas surpresas de uma noite inesquecível.
Como naqueles filmes, assim que entrei o MC anunciou: "Ladies and gentlemen, B.B. King!!!". A banda, incrível, de black tie, formada por dez pessoas, prepararia o clima com duas músicas antes da entrada triunfal de B.B..
Mais que um artista, um ícone, uma lenda viva, ele se senta, põe sua Lucille (nome de sua guitarra, um clássico da Gibson) no colo. Como um patriarca numa reunião de família, começa a conversar com a plateia, brincar com a banda e a equipe, e deixa todo mundo super à vontade antes de disparar sua primeira nota, um grito sujo, e ao mesmo tempo cristalino, que atravessa nossas almas como um chamado de Deus. A cerimônia estava começando.
Desfilando clássicos como "Everyday I Have the Blues", "Woke Up This Morning" e "The Thrill Is Gone", ele permeia as canções com histórias e comentários do tipo: "desculpe, meu português não é muito bom e meu inglês não é muito melhor". Diz também que, aos 84 anos, ainda não conseguiu se libertar do vício de apreciar mulheres bonitas. "Mas também não me esforcei muito", arremata. Sensacional.
Depois de uma versão mais suingada de "When Love Comes to Town", do U2, o microfone de B.B., que ele beija e abraça como uma boneca, se desprende do plug, ao mesmo tempo em que algo estranho acontece com seu amplificador.
Atentos, bebendo cada nota, filmando e fotografando cada movimento, os exigentes espectadores comentam a pequena falha técnica. Em minutos, o roadie se ajoelha e resolve tudo, diante dos aplausos característicos com as costas da mão de B.B. e a ovação da galera. E a festa continua. O gran finale, o clássico "When the Saints Go Marching In", nunca fez tanto sentido. Estávamos diante de um santo homem.
A serviço da Folha, permaneci na casa, em busca de mais informações para minha matéria, enquanto filas se formavam para o beija-mão. Reencontrei amigos, tirei fotos, e me preparava para sair quando o produtor me chamou: "Você quer falar com Ele?". Gelei.
Entramos pela cozinha até a área dos trailers-camarins, onde a muvuca era contida pelo mau humor de dois seguranças, um clone de B.B. e um outro senhor de cabelos brancos que organizava a fila e a ansiedade dos fãs, enquanto determinava: "Você pode entrar".
Como um buda do blues, sentado com seu "tuxedo" cinza e seu colete, exalando uma bondade e paciência infinitas em seu semblante sereno, B.B. nos recebeu em seu olimpo particular como a um velho amigo.
Não sei se consegui disfarçar meu nervosismo quando ele perguntou para Tina, sua empresária, o nome de um ator australiano que eu lembrava. Heath Ledger, Hugh Jackman, não, nada... Então, ele disse: "Aquele que fez aquele filme do.. [faz um movimento do inconfundível Z]". E eu disse: "Antonio Banderas". E ele: "Yeah!". Ha ha!
Falamos de Little Richard (ele está muito doente, "talvez muito, meninos", diz), do seu museu em Memphis e das aulas grátis para crianças -ele me convida para visitá-lo quando for aos EUA. Ele fala de suas palestras sobre o blues e eu pergunto se ele discursa como canta. Ele diz: "Não, eu canto como um sapo". Mas o sapo virou um príncipe e depois, um rei, respondo. "Vou te deixar se safar com esta desta vez", ele brinca, enquanto beijo suas mãos. Foi demais para mim.
Obrigado, B.B. Cheers!!


PAULO RICARDO é cantor e compositor

B.B. KING
Quando:
hoje, às 21h30
Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, tel.: 0/xx/11/2144-5444)
Quanto: R$ 200 a R$ 600; ingressos esgotados
Classificação: livre
Avaliação: ótimo



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