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Crítica
Aos 84, B.B. King emociona em SP
Guitarrista americano desfilou clássicos em show e faz hoje sua última apresentação na cidade, com ingressos esgotados
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Bourbon Street parecia, na
quinta, um templo onde fiéis se
reuniam para o culto, presidido
pelo papa em pessoa; Riley B.
King, que depois mudaria seu
nome para Beale Street Blues
Boy, depois para Blues Boy
King e, finalmente, para B.B.
King, o embaixador do blues.
Com ingresso a R$ 950 (e
com uma fila de espera de mais
de mil pessoas), a entrada não
se parecia em nada com o tumulto de um show de um artista daquela abrangência. Logo
de cara, encontrei Júnior Moreno, vocalista da banda Blue
Jeans (que já abriu para o mestre em outras temporadas -é a
sétima vez que B.B. toca na casa) e primeiro baterista do
RPM, antes mesmo do ex-Titã
Charles Gavin e de P.A.
Me emocionei diante daquele bluesman de fala macia, que
pontuava cada frase com um
"all right". Aquela seria a primeira de muitas surpresas de
uma noite inesquecível.
Como naqueles filmes, assim
que entrei o MC anunciou: "Ladies and gentlemen, B.B.
King!!!". A banda, incrível, de
black tie, formada por dez pessoas, prepararia o clima com
duas músicas antes da entrada
triunfal de B.B..
Mais que um artista, um ícone, uma lenda viva, ele se senta,
põe sua Lucille (nome de sua
guitarra, um clássico da Gibson) no colo. Como um patriarca numa reunião de família, começa a conversar com a plateia,
brincar com a banda e a equipe,
e deixa todo mundo super à
vontade antes de disparar sua
primeira nota, um grito sujo, e
ao mesmo tempo cristalino,
que atravessa nossas almas como um chamado de Deus. A cerimônia estava começando.
Desfilando clássicos como
"Everyday I Have the Blues",
"Woke Up This Morning" e
"The Thrill Is Gone", ele permeia as canções com histórias e
comentários do tipo: "desculpe,
meu português não é muito
bom e meu inglês não é muito
melhor". Diz também que, aos
84 anos, ainda não conseguiu se
libertar do vício de apreciar
mulheres bonitas. "Mas também não me esforcei muito",
arremata. Sensacional.
Depois de uma versão mais
suingada de "When Love Comes to Town", do U2, o microfone de B.B., que ele beija e
abraça como uma boneca, se
desprende do plug, ao mesmo
tempo em que algo estranho
acontece com seu amplificador.
Atentos, bebendo cada nota, filmando e fotografando cada
movimento, os exigentes espectadores comentam a pequena falha técnica. Em minutos, o
roadie se ajoelha e resolve tudo,
diante dos aplausos característicos com as costas da mão de
B.B. e a ovação da galera. E a
festa continua. O gran finale, o
clássico "When the Saints Go
Marching In", nunca fez tanto
sentido. Estávamos diante de
um santo homem.
A serviço da Folha, permaneci na casa, em busca de mais
informações para minha matéria, enquanto filas se formavam
para o beija-mão. Reencontrei
amigos, tirei fotos, e me preparava para sair quando o produtor me chamou: "Você quer falar com Ele?". Gelei.
Entramos pela cozinha até a
área dos trailers-camarins, onde a muvuca era contida pelo
mau humor de dois seguranças, um clone de B.B. e um outro senhor de cabelos brancos
que organizava a fila e a ansiedade dos fãs, enquanto determinava: "Você pode entrar".
Como um buda do blues,
sentado com seu "tuxedo" cinza e seu colete, exalando uma
bondade e paciência infinitas
em seu semblante sereno, B.B.
nos recebeu em seu olimpo
particular como a um velho
amigo.
Não sei se consegui disfarçar
meu nervosismo quando ele
perguntou para Tina, sua empresária, o nome de um ator
australiano que eu lembrava.
Heath Ledger, Hugh Jackman,
não, nada... Então, ele disse:
"Aquele que fez aquele filme
do.. [faz um movimento do inconfundível Z]". E eu disse:
"Antonio Banderas". E ele:
"Yeah!". Ha ha!
Falamos de Little Richard
(ele está muito doente, "talvez
muito, meninos", diz), do seu
museu em Memphis e das aulas grátis para crianças -ele me
convida para visitá-lo quando
for aos EUA. Ele fala de suas
palestras sobre o blues e eu
pergunto se ele discursa como
canta. Ele diz: "Não, eu canto
como um sapo". Mas o sapo virou um príncipe e depois, um
rei, respondo. "Vou te deixar se
safar com esta desta vez", ele
brinca, enquanto beijo suas
mãos. Foi demais para mim.
Obrigado, B.B. Cheers!!
PAULO RICARDO é cantor e compositor
B.B. KING
Quando: hoje, às 21h30
Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, tel.:
0/xx/11/2144-5444)
Quanto: R$ 200 a R$ 600; ingressos esgotados
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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