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CINEMA
Programa subutilizado chega a fim melancólico
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Sem que quase ninguém percebesse e lamentasse, o Estado de São Paulo e a TV Cultura estão pondo fim à mais interessante
experiência de financiamento público do cinema já tentada no Brasil: o Programa de Integração Cinema-TV, vulgo PIC-TV.
Enquanto o Ministério da Cultura batia cabeça com leis de incentivo que transferem para "a
sociedade" a responsabilidade sobre aquilo que se produz com dinheiro público, o PIC-TV ensaiou
a primeira parceria contínua de
que se tem notícia no país entre
televisão e cinema.
Seleção transparente
O mecanismo de escolha era
pioneiramente impessoal: um sistema de pontuação em que entravam o currículo do produtor, do
diretor etc., completados por uma
avaliação do roteiro e do orçamento feita por pelo menos dois
consultores a respeito de cada
projeto. Daí resultava uma soma
que classificava o filme entre os
candidatos ao financiamento.
Um mecanismo óbvio, pode-se
dizer. Mas nem acontecia assim
na Embrafilme, onde a produção
ou a distribuição de um filme era,
em última análise, decidida pelo
diretor-geral, nem nos antigos
concursos promovidos pela Comissão de Cinema do Estado de
São Paulo (estes marcados por
forte influência corporativa).
Não era perfeito, e talvez a proporção de abacaxis produzidos
pelo PIC-TV não seja maior ou
menor do que qualquer outro sistema. A questão não é essa, e sim a
transparência de que se revestem
as escolhas, certas ou erradas,
num meio minado pelas suspeitas
de favorecimento de um ou de
outro e de malversação de verbas
públicas.
Cinema e televisão
O segundo aspecto era a associação entre cinema e TV. Associação modesta, já que limitada a
uma única rede, e pública, mas
que apontava o caminho mais ou
menos incontornável pelo qual o
cinema deve passar, se pretender
continuar existindo no Brasil:
num sistema de exibição de filmes
selvagem, centrado no circuito de
cinemas de shopping, como existe hoje, a TV tornou-se o único lugar em que se pode vislumbrar
uma produção livre das pressões
perversas do mercado.
O PIC-TV terá existido por cerca de cinco anos, ao longo dos
quais co-produziu 48 longas-metragens. O governo do Estado entrava, através da Cultura, com o
financiamento de até R$ 400 mil.
Mas o próprio PIC se encarregou durante muito tempo de
aproximar os produtores das empresas estatais do Estado, tipo Banespa, Eletropaulo e tal, que investiam ali parte da renúncia fiscal prevista em lei.
Sabe-se que há tempos o secretário de Estado da Cultura queixava-se da falta de retorno do PIC-TV. Ele tem, provavelmente, razão. Com muito menos dinheiro e
risco, pode-se fazer um bom trabalho com música clássica, por
exemplo.
Depois, cineastas são gente chata, insatisfeita, reclamona. Por
mais que se faça, querem mais e,
em vez de agradecer ao PIC-TV, é
possível que uma parte deles ainda vá se queixar da secretaria etc.
Mas também é verdade que a
função de uma secretaria não é
buscar atalhos fáceis. Se é importante que o cinema exista, não é
por causa dos cineastas, mas do
cinema, do registro que oferece de
um tempo e de um lugar, da possibilidade de diversão e de democratização da arte que abre a milhões de pessoas.
Programa mal aproveitado
Por fim, também é inegável que
essa tentativa de integração entre
cinema e TV nunca entusiasmou
o Ministério da Cultura, por
exemplo, que em circunstâncias
públicas sempre bajulou a Rede
Globo e esqueceu de dar crédito
ao programa da Cultura.
O isolamento do PIC-TV, sua
subutilização pela própria TV
Cultura e o interesse restrito da
secretaria num programa cujos
resultados só são visíveis a longo
prazo terminaram por matar o
sistema de parceria.
Um final melancólico, na medida em que as questões centrais
suscitadas por ele -o financiamento da atividade e seus modos
de distribuição- continuam sem
resolução.
Cabe à secretaria evitar que se
volte à Idade da Pedra, do ponto
de vista teórico ou de execução,
numa matéria que interessa à sociedade (não "à sociedade" das
corporações que investem ali seu
Imposto de Renda) muito mais
do que ela pode por vezes imaginar.
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