São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2001

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CINEMA

Programa subutilizado chega a fim melancólico

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Sem que quase ninguém percebesse e lamentasse, o Estado de São Paulo e a TV Cultura estão pondo fim à mais interessante experiência de financiamento público do cinema já tentada no Brasil: o Programa de Integração Cinema-TV, vulgo PIC-TV.
Enquanto o Ministério da Cultura batia cabeça com leis de incentivo que transferem para "a sociedade" a responsabilidade sobre aquilo que se produz com dinheiro público, o PIC-TV ensaiou a primeira parceria contínua de que se tem notícia no país entre televisão e cinema.

Seleção transparente
O mecanismo de escolha era pioneiramente impessoal: um sistema de pontuação em que entravam o currículo do produtor, do diretor etc., completados por uma avaliação do roteiro e do orçamento feita por pelo menos dois consultores a respeito de cada projeto. Daí resultava uma soma que classificava o filme entre os candidatos ao financiamento.
Um mecanismo óbvio, pode-se dizer. Mas nem acontecia assim na Embrafilme, onde a produção ou a distribuição de um filme era, em última análise, decidida pelo diretor-geral, nem nos antigos concursos promovidos pela Comissão de Cinema do Estado de São Paulo (estes marcados por forte influência corporativa).
Não era perfeito, e talvez a proporção de abacaxis produzidos pelo PIC-TV não seja maior ou menor do que qualquer outro sistema. A questão não é essa, e sim a transparência de que se revestem as escolhas, certas ou erradas, num meio minado pelas suspeitas de favorecimento de um ou de outro e de malversação de verbas públicas.

Cinema e televisão
O segundo aspecto era a associação entre cinema e TV. Associação modesta, já que limitada a uma única rede, e pública, mas que apontava o caminho mais ou menos incontornável pelo qual o cinema deve passar, se pretender continuar existindo no Brasil: num sistema de exibição de filmes selvagem, centrado no circuito de cinemas de shopping, como existe hoje, a TV tornou-se o único lugar em que se pode vislumbrar uma produção livre das pressões perversas do mercado.
O PIC-TV terá existido por cerca de cinco anos, ao longo dos quais co-produziu 48 longas-metragens. O governo do Estado entrava, através da Cultura, com o financiamento de até R$ 400 mil.
Mas o próprio PIC se encarregou durante muito tempo de aproximar os produtores das empresas estatais do Estado, tipo Banespa, Eletropaulo e tal, que investiam ali parte da renúncia fiscal prevista em lei.
Sabe-se que há tempos o secretário de Estado da Cultura queixava-se da falta de retorno do PIC-TV. Ele tem, provavelmente, razão. Com muito menos dinheiro e risco, pode-se fazer um bom trabalho com música clássica, por exemplo.
Depois, cineastas são gente chata, insatisfeita, reclamona. Por mais que se faça, querem mais e, em vez de agradecer ao PIC-TV, é possível que uma parte deles ainda vá se queixar da secretaria etc.
Mas também é verdade que a função de uma secretaria não é buscar atalhos fáceis. Se é importante que o cinema exista, não é por causa dos cineastas, mas do cinema, do registro que oferece de um tempo e de um lugar, da possibilidade de diversão e de democratização da arte que abre a milhões de pessoas.

Programa mal aproveitado
Por fim, também é inegável que essa tentativa de integração entre cinema e TV nunca entusiasmou o Ministério da Cultura, por exemplo, que em circunstâncias públicas sempre bajulou a Rede Globo e esqueceu de dar crédito ao programa da Cultura.
O isolamento do PIC-TV, sua subutilização pela própria TV Cultura e o interesse restrito da secretaria num programa cujos resultados só são visíveis a longo prazo terminaram por matar o sistema de parceria.
Um final melancólico, na medida em que as questões centrais suscitadas por ele -o financiamento da atividade e seus modos de distribuição- continuam sem resolução.
Cabe à secretaria evitar que se volte à Idade da Pedra, do ponto de vista teórico ou de execução, numa matéria que interessa à sociedade (não "à sociedade" das corporações que investem ali seu Imposto de Renda) muito mais do que ela pode por vezes imaginar.



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