São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006

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CRÍTICA/TEATRO

Espetáculo encenado no rio Tietê sofre com diálogos abafados, roteiro disperso e relações de causa e efeito

"BR-3" decepciona por limitações técnicas

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A decepção que a mais nova aventura do Teatro da Vertigem suscita vem da grande expectativa que ela gerava. Depois da "Trilogia Bíblica", na qual igrejas, hospitais e presídios se transformavam de cidade em cidade em focos de questionamento social e urbano, bem além dos temas religiosos que serviam de ponto de partida para as peças, o grupo anunciou investida mais ousada.
A aposta era percorrer três cidades emblemáticas do Brasil que contêm o BR no nome, estabelecendo o ponto de contato entre a capital Brasília, a Brasilândia da periferia paulista e Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. Durante 33 dias, foi possível acompanhar em um diário de viagem na Folha Online os relatos do coordenador teórico do projeto, Ivan Delmanto. Ficou documentado um Brasil entre o grotesco e o sublime.
O material riquíssimo teve de encontrar seu local-síntese, e o rio Tietê foi a escolha mais certa. Além da referência ao rio como meio de transporte arquetípico, a excursão pelos intestinos podres da cidade revela seu arrojo arquitetônico invisível, um futuro jogado no lixão, que possibilita um vigoroso reencontro com a utopia.
No entanto, os desafios técnicos da empreitada acabaram limitando muito seus resultados. Releve-se aqui o mau cheiro que acompanha o público. Afinal, compartilhar o desconforto sempre foi a missão artística do Vertigem.
No entanto, a poluição sonora do barco, mesmo que integrada pela trilha sonora inicial, obriga os atores nas margens a se dublarem, e os diálogos chegam abafados, por alto-falantes, o que dispersa em mancha de óleo o grande carisma de atores como Roberto Audio e Cácia Goulart e ainda mais os esforços de jovens atores.
Como sempre, imagens de grande impacto honram o nome do grupo. Os figurinos kitsch de Marina Reis e a competente direção de arte de Márcio Medina fazem um panorama do imaginário brasileiro, nem sempre fugindo do folclórico, como na cena do ritual da huasca, mas instigando com uma estética de "trem fantasma", um espetáculo de som e luz de um esgoto a céu aberto.
No entanto, o roteiro confuso de Bernardo Carvalho, disperso em alusões rápidas demais, e uma trama com uma insistência demasiada em relações de causa e efeito desnorteiam. Jovelina, grávida de Jonas, busca o pai da criança, que ergueu Brasília; Jonas, por sua vez, será procurado pelos filhos nos confins do Acre. Uma narrativa de enigma envolvendo seitas e tráfico se sobrepõe desnecessariamente ao que foi visto em viagem. O tema se dilui.
Resta a sensação de aventura, de transgressão urbana, que é a característica do Teatro da Vertigem, mas não seu essencial. "BR-3", concebido para ser a mais radical superação do grupo, vira obra menor do seu repertório.


BR-3
  
Quando: qui. a dom., às 21h; até junho
Onde: no rio Tietê, SP; ponto de encontro para o público é o estacionamento do Memorial da América Latina, na Barra Funda (av. Auro Soares de Moura Andrade, portão 8). Dois ônibus levarão os espectadores até o local de embarque
Quanto: R$ 40, nas lojas da Fnac Pinheiros (pça. dos Omaguás, 34, SP) e Fnac Paulista (av. Paulista, 901, SP), de ter. a dom., das 10h às 22h. Mais informações pelo tel. 0/xx/11/3115-0345



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