São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2007

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DEPOIMENTO

Esta é, a meu juízo, a questão essencial com que se defrontou Clarice Lispector até os últimos textos que escreveu: tentar dizer o indizível sabendo que não poderia dizê-lo. Ou melhor; escrevia para mostrar que a essência da literatura está além dela, fora dela, uma vez que só se pode dizer o que se pode dizer. A experiência literária de Clarice Lispector, de tão complexa que é, tem que ser vista em vários níveis que se opõem, se completam. Por exemplo, a Clarice contista, na maioria das vezes, difere da Clarice romancista, porque aquela, contraditoriamente, narra mais que esta, e mais explicitamente. Enquanto, nos contos, se não nos conta uma história, narra-nos um episódio, um fato determinado; nos romances, proporcionalmente, os acontecimentos são poucos e a autora mais pensa, analisa, especula, indaga ou questiona, do que narra. A impressão que se tem, ao ler seus romances -à exceção de "A Hora da Estrela"- é de que ela parte de uma situação imaginada que lhe permi-tiria mergulhar fundo na indagação de questões insondáveis: abre-se para ela a irresistível possibilidade de explorar o inexplorável, de roçar o indevassável mistério da existência. No conto, pode esse mistério surgir mas como registro do susto inesperado, que a agride e a que reage de pronto.
FERREIRA GULLAR, em texto para o catálogo da exposição


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