São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2007

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Crítica

"Batismo de Sangue" peca pelo didatismo

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

De nada adianta tomar "Batismo de Sangue" pelo que ele não é. Helvécio Ratton não pretende ampliar os limites da linguagem cinematográfica nem discutir questões ligadas à representação da tortura. A proposta parece ser mais simples: contar uma história e compartilhar com o público sua visão sobre determinado período político do Brasil. Mas a simplicidade dessa opção é ilusória. Se Ratton foge de determinados problemas, acaba criando outros.
"Batismo de Sangue" é uma adaptação do livro homônimo de Frei Betto, de forte caráter autobiográfico. Conta, de um ponto de vista pessoal, o envolvimento de frades dominicanos no apoio à luta armada durante a ditadura militar brasileira. O mesmo material poderia ter sido transformado em um documentário, mas se tornou uma obra de ficção no estilo de um "thriller" meio político, meio psicológico.
A estrutura do roteiro (assinado pelo diretor e por Dani Patarra) parece devotar especial atenção ao público jovem, que não viveu e pouco conhece os piores anos da ditadura militar. Ou seja, boa parte dele tenta explicar os personagens e as situações. Um exemplo: logo na apresentação do personagem de Carlos Marighella (Marku Ribas), líder da Ação Libertadora Nacional, os frades dominicanos recebem de presente os livros que ele escreveu, e os títulos são ditos em voz alta, um a um. O tom é tão artificial que, imediatamente, impõe um grau de desconfiança e afastamento.
O mesmo artificialismo se impõe quando entram em cena o delegado Fleury (Cassio Gabus Mendes) e sua trupe de torturadores. Por mais patéticos que esses personagens possam ter sido de fato (e por mais que as ações e diálogos do filme tenham sido calcados em testemunhos reais), "Batismo de Sangue" não se torna mais legítimo por isso, na medida em que Ratton não consegue criar uma nova "verdade", cinematográfica, a partir disso.
É esse o maior problema dessa opção pela aparente simplicidade do "contar uma história". Tanto nos diálogos como no posicionamento da câmera, o didatismo se faz gritante, minando o objetivo do filme de gerar identificação com o público.
É esse mesmo didatismo que justifica as cenas de tortura de forma tão próxima e movimentada. Uma forma que confunde realismo com uma certa faísca de sadismo cinematográfico.
"Batismo de Sangue" tem seus melhores momentos quando está concentrado no núcleo dos frades dominicanos. São eles -principalmente os personagens de Blat e Oliveira- que protagonizam os poucos momentos de fato comoventes do filme.


BATISMO DE SANGUE
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Helvécio Ratton
Com: Caio Blat, Daniel de Oliveira, Angelo Antônio e outros
Onde: em cartaz na Reserva Cultural, Kinoplex Itaim e circuito
Avaliação: regular


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