São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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BIA ABRAMO

Televisão em trânsito


No ônibus e no metrô, telas substituem janelas e os poucos livros como alvo dos olhares

A IMAGEM está se tornando mais ou menos típica: passageiros de ônibus e metrô viajam de fones de ouvido e olhos numa tela de LCD. Os fones voltaram às ruas com a disseminação e popularização dos preços dos tocadores de MP3. Circulando por São Paulo a pé, de metrô e de ônibus, esbarra-se a toda hora em pessoas de todas as idades ouvindo sua trilha sonora particular, os fios surgindo de mochilas, bolsas e bolsos.
No interior dos ônibus e vagões do metrô, as telas de LCD substituem as janelas e os poucos livros, revistas e jornais como alvo dos olhares. Em São Paulo, há dois serviços de TV que cobrem várias linhas de ônibus da região metropolitana, e um para a linha verde do metrô.
Há algo que sugere isolamento e alienação nesse transitar de olhos e ouvidos atentos a estímulos outros, alheio aos acontecimentos reais, plugado nos virtuais. De certa forma, é como se o sujeito que anda de ônibus, grudado nas imagens oferecidas por essas TVs e escutando o seu som, quisesse não estar lá. Mas há também uma nota simpática, de manifestação de uma vontade de deixar a viagem no transporte coletivo mais divertida e leve.
As TVs (ou sistemas audiovisuais) dos ônibus e do metrô oferecem um cardápio diversificado de conteúdo. A TVMinuto, da linha verde, concentra-se mais em dropes de notícias (imagens paradas e legendas) combinados com dicas de programação cultural pela cidade (e acessíveis pelo metrô).
A TVO, que cobre 164 linhas de ônibus, ousa mais na "programação"; tem animação (pelo menos uma ótima, os Pinguinics), piadas, poemas visuais, receitas simples, miniperfis de motoristas e cobradores, em vídeos de até um minuto e meio. A BusTV vai mais ou menos na mesma linha, mas, ao contrário das outras duas, tem som, o que pode ser um tanto impositivo e incômodo.
O tipo de conteúdo que pode ser encaixado nesses sistemas é, evidentemente, limitadíssimo pelas diversas restrições tecnológicas e técnicas, mas, mesmo assim, poderiam se experimentar outros formatos de pequenas narrativas, até mesmo seriadas (para quem sempre pega ônibus mais ou menos no mesmo horário). Quem está em trânsito está sempre mais disponível à distração.
E, claro, é muito interessante que essa imagem futurista -pelo menos no imaginário da década de 80, graças a "Blade Runner", os anos 2000 estariam invadidos por telas onipresentes- esteja associada aos transportes coletivos, uma espécie de bode expiatório do caos urbano paulistano e símbolo da precariedade e do atraso da cidade.

biabramo.tv@uol.com.br


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