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CRÍTICA
Filme mistura o mito e o manifesto
da Equipe de Articulistas
"Orfeu" é o melhor filme de Cacá
Diegues em muitos anos -talvez
desde "Bye Bye Brasil" (1979).
Haverá quem o considere uma
recaída no "esquerdismo" cinemanovista. Afinal, concentra-se em
"Orfeu" uma visão quase sociológica do país, suas classes, sua cultura etc. É o filme mais político do
cineasta desde "Quilombo".
A culpa é do Brasil de FHC, que
ressuscita expressões que pareciam ter caído em desuso, como
"entreguismo", "colonialismo" e
"Estado burguês". "Orfeu" é um
manifesto atualíssimo contra o
"apartheid" social, o pensamento
único, a pasteurização cultural e
outras pragas desse Brasil real.
Mas é também um contagiante
canto de amor à cultura popular
carioca, em especial à sua música.
Há falhas em "Orfeu", claro. O
cantor Toni Garrido, por exemplo,
não mostra um talento dramático
à altura de sua imponente presença física e quase some quando contracena com atores de verdade, como Murilo Benício, Milton Gonçalves e Zezé Motta.
Algumas cenas -como a da
sombra agourentamente projetada sobre os amantes por uma asa-delta, ou a celebração de Orfeu
morto, no final- poderiam ser
mais trabalhadas. E a aparição de
Caetano Veloso, cantando ao violão numa sacada, surge como um
ruído no corpo da narrativa.
Mas tudo isso some diante da felicidade com que Diegues sobrepôs ao arcaico mito de Orfeu uma
visão quase documental da favela.
Um exemplo: no mito, Orfeu
desce ao Hades para buscar Eurídice. No filme, a moça (Patrícia
França) é morta por traficantes e
jogada no abismo onde são "desovados" os inimigos da quadrilha. É
nesse inferno ao mesmo tempo
mítico e real, cheio de cadáveres e
esqueletos, que Orfeu vai buscá-la,
agarrando-se ao penhasco.
Outro acerto enorme é a tensão
entre a verticalidade claustrofóbica da favela, com seus becos, barrancos e escadarias, e a imagem
horizontal em Panavision.
Os personagens estão sempre
oprimidos por paredes de barro e
pedra, a não ser quando estão na
cama, no sambódromo ou diante
do mar, ou seja, no amor, na arte
ou no mito.
(JGC)
Filme: Orfeu
Direção: Cacá Diegues
Com: Toni Garrido, Patrícia França, Murilo
Benício, Isabel Fillardis
Quando: pré-estréia hoje nos cines Plaza
Sul 2, West Plaza 4, Butantã 3, Market Place
2, Olido 3, Paulista 1, Iguatemi 2, Interlagos
Cinemark 1, SP Market 4 e outros
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