São Paulo, Terça-feira, 20 de Abril de 1999
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CRÍTICA
Filme mistura o mito e o manifesto

da Equipe de Articulistas

"Orfeu" é o melhor filme de Cacá Diegues em muitos anos -talvez desde "Bye Bye Brasil" (1979).
Haverá quem o considere uma recaída no "esquerdismo" cinemanovista. Afinal, concentra-se em "Orfeu" uma visão quase sociológica do país, suas classes, sua cultura etc. É o filme mais político do cineasta desde "Quilombo".
A culpa é do Brasil de FHC, que ressuscita expressões que pareciam ter caído em desuso, como "entreguismo", "colonialismo" e "Estado burguês". "Orfeu" é um manifesto atualíssimo contra o "apartheid" social, o pensamento único, a pasteurização cultural e outras pragas desse Brasil real.
Mas é também um contagiante canto de amor à cultura popular carioca, em especial à sua música.
Há falhas em "Orfeu", claro. O cantor Toni Garrido, por exemplo, não mostra um talento dramático à altura de sua imponente presença física e quase some quando contracena com atores de verdade, como Murilo Benício, Milton Gonçalves e Zezé Motta.
Algumas cenas -como a da sombra agourentamente projetada sobre os amantes por uma asa-delta, ou a celebração de Orfeu morto, no final- poderiam ser mais trabalhadas. E a aparição de Caetano Veloso, cantando ao violão numa sacada, surge como um ruído no corpo da narrativa.
Mas tudo isso some diante da felicidade com que Diegues sobrepôs ao arcaico mito de Orfeu uma visão quase documental da favela.
Um exemplo: no mito, Orfeu desce ao Hades para buscar Eurídice. No filme, a moça (Patrícia França) é morta por traficantes e jogada no abismo onde são "desovados" os inimigos da quadrilha. É nesse inferno ao mesmo tempo mítico e real, cheio de cadáveres e esqueletos, que Orfeu vai buscá-la, agarrando-se ao penhasco.
Outro acerto enorme é a tensão entre a verticalidade claustrofóbica da favela, com seus becos, barrancos e escadarias, e a imagem horizontal em Panavision.
Os personagens estão sempre oprimidos por paredes de barro e pedra, a não ser quando estão na cama, no sambódromo ou diante do mar, ou seja, no amor, na arte ou no mito. (JGC)
Filme: Orfeu Direção: Cacá Diegues Com: Toni Garrido, Patrícia França, Murilo Benício, Isabel Fillardis Quando: pré-estréia hoje nos cines Plaza Sul 2, West Plaza 4, Butantã 3, Market Place 2, Olido 3, Paulista 1, Iguatemi 2, Interlagos Cinemark 1, SP Market 4 e outros


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