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CANNES
Estética televisiva de produções cativa público do festival
"24 Hour Party People" revive cena de Manchester
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
A linguagem da televisão é o
fundamento cinematográfico de
"24 Hour Party People", do diretor inglês Michael Winterbotton.
Ela também está presente, como
base de expressão, no importante
documentário do americano Michael Moore, "Bowling for Columbine", sobre a venda de armas
nos EUA. Os dois filmes participam da mostra competitiva do
Festival de Cannes.
Com uma excelente fotografia
de Robby Mueller, que trabalhou
com Wim Wenders e Lars von
Trier, "24 Hour" recorre a vários
estilos televisivos para contar a
explosão da cena musical em
Manchester, nos anos 80.
Filma duas décadas da vida do
apresentador de TV Tony Wilson, que se tornou o produtor dos
grupos de rock Joy Division, New
Order e Happy Mondays, além do
criador do selo musical Factory
Records e do clube Haçienda.
Não apenas o período temporal
da narrativa é enorme, mas também a história é real e a maioria
dos seus personagens ainda está
viva. Recriar os primeiros shows
do Joy Division não é coisa fácil.
Fora isso, os fatos são muito característicos de uma situação inteira da Inglaterra, quando a música popular do país explode entre
os resíduos das mudanças neoliberais da era Thatcher.
Tudo isso o diretor consegue
comprimir em "24 Hour", menos
sob a influência de "Cidadão Kane" e mais da BBC, a rede de TV
inglesa. Realizado com câmera digital, o filme mescla as formas do
documentário, dos programas de
humor e do jornalismo televisivo
numa forma paródica e engenhosa, que resulta num verdadeiro
"tour de force".
O próprio Wilson (interpretado
por Steve Coogan) é o narrador, o
que garante a coesão do conjunto.
Sua presença em cena, por vezes
excessiva, é amenizada pela auto-ironia. O filme avança bastante do
ponto de vista dramático quando
deixa os outros personagens expandirem sua presença.
O contraponto de Wilson, uma
espécie de libertário da música no
mundo do showbusiness, é o
compositor e vocalista do Joy Division, Ian Curtis (Sean Harris),
um neo-romântico que se suicida
aos 24 anos. Os dois são uma espécie de "heróis" que enfrentam
com a música a mediocridade do
seu mundo.
"Bowling for Columbine", de
Michael Moore, é um dos concorrentes de Cannes que mais estão
cativando o público e a crítica. É o
primeiro documentário que concorre no festival em 46 anos.
Feito originalmente para a TV,
sua força jornalística e a veemência dos argumentos deixam a platéia entusiasmada. A maneira lúcida com que contrapõe fatos,
idéias e depoimentos é uma fonte
contínua de surpresas.
Moore, que é o próprio "repórter" do documentário, investiga
não o "como", mas o "por quê" de
tragédias ocorridas no país nos
últimos anos -como o atentado
de Oklahoma, em 1995, e o da escola Columbine (13 estudantes
mortos por 2 colegas), em 1999.
E ele tem uma resposta parcial:
a venda de armas é livre no país,
fundamentada na Constituição.
Essa razão norteia o filme, mas,
não sendo suficiente, começa a
desdobrar outros problemas: a
violência da sociedade americana, o racismo, o consumismo, o
imperialismo. Numa sequência
provocativa ele enumera todos as
intervenções americanas em outros países e as suas vítimas civis.
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