São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Comédia de costumes salva o humor brasileiro das sitcoms

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O humor cinematográfico nacional parecia incuravelmente contaminado pelas sitcoms americanas e pela teledramaturgia global. Mas eis que surge este "Bendito Fruto", comédia de costumes regeneradora, que pode ser vista como um elogio da imperfeição humana.
O filme parte de um fato extraído das páginas de jornal -a explosão de um bueiro- para colocar em movimento um punhado de personagens: um cabeleireiro cinqüentão, Edgar (Otávio Augusto), sua empregada e amante Maria (Zezeh Barbosa) e uma velha amiga de Edgar, a viúva Virgínia (Vera Holz), que está de férias no Rio de Janeiro.
Somam-se a esse triângulo o filho ilegítimo de Edgar e Maria (Evandro Machado) e seu namorado galã de telenovelas (Du Moscovis), além das moças que trabalham no salão de Edgar (Lúcia Alves e Camila Pitanga).
O roteiro engenhoso orquestra os encontros e desencontros desses personagens sem nunca sacrificar sua densidade multidimensional para torná-los meros joguetes da trama.
Sergio Goldenberg e a roteirista Rosane Lima andam na corda bamba para mostrar que é possível tratar com humor de temas espinhosos como o homossexualismo, o racismo e o amor na maturidade sem cair no moralismo ou na grosseria.
Cada personagem é um ser multifacetado, contraditório. Falta a cada um deles alguma coisa para que possa ser enquadrado num modelo, positivo ou negativo. É dessa falta, dessa "falha", que nasce sua sedução.
Vejamos Virgínia. Vinda do interior, ela traz consigo, sem perceber, séculos de preconceitos raciais e sociais, que se manifestam em frases como: "Você dá confiança à empregada, ela se aproveita". Mas é também uma mulher afetiva e generosa, pronta a se sacrificar pelos outros.
O susto de Maria ao perceber que o filho é gay não suplanta seu amor de mãe, e logo ela trata o namorado do filho como "genro", num misto inextricável de ironia e carinho.
Pequenos gestos, frases interrompidas, expressões sutis de atores extraordinários acabam por nos dizer muito mais sobre o racismo e a homofobia do que mil discursos teóricos. A própria relação ambígua entre Edgar e Maria, algo tão representativo de nossa herança escravista, vale por um estudo sociológico.
Faltou falar do modo como a cenografia e a fotografia captam o colorido caldeirão urbano de Botafogo; da sutileza com que os personagens secundários se imiscuem na trama central e mudam-lhe a direção; do diálogo implícito com os enredos novelescos etc. Só cabe dizer que "Bendito Fruto" é um dos filmes mais divertidos e comoventes dos últimos tempos.


Bendito Fruto
    
Direção: Sergio Goldenberg
Produção: Brasil, 2004
Com: Otávio Augusto, Zezeh Barbosa
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Jardim Sul e circuito


Texto Anterior: Bairro de Botafogo ganha crônica cinematográfica
Próximo Texto: Cinema: Bianchi dispara torpedos na moral brasileira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.