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CRÍTICA
Comédia de costumes salva o humor brasileiro das sitcoms
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O humor cinematográfico
nacional parecia incuravelmente contaminado pelas sitcoms americanas e pela teledramaturgia global. Mas eis que surge este "Bendito Fruto", comédia
de costumes regeneradora, que
pode ser vista como um elogio da
imperfeição humana.
O filme parte de um fato extraído das páginas de jornal -a explosão de um bueiro- para colocar em movimento um punhado
de personagens: um cabeleireiro
cinqüentão, Edgar (Otávio Augusto), sua empregada e amante
Maria (Zezeh Barbosa) e uma velha amiga de Edgar, a viúva Virgínia (Vera Holz), que está de férias
no Rio de Janeiro.
Somam-se a esse triângulo o filho ilegítimo de Edgar e Maria
(Evandro Machado) e seu namorado galã de telenovelas (Du Moscovis), além das moças que trabalham no salão de Edgar (Lúcia Alves e Camila Pitanga).
O roteiro engenhoso orquestra
os encontros e desencontros desses personagens sem nunca sacrificar sua densidade multidimensional para torná-los meros joguetes da trama.
Sergio Goldenberg e a roteirista
Rosane Lima andam na corda
bamba para mostrar que é possível tratar com humor de temas espinhosos como o homossexualismo, o racismo e o amor na maturidade sem cair no moralismo ou
na grosseria.
Cada personagem é um ser
multifacetado, contraditório. Falta a cada um deles alguma coisa
para que possa ser enquadrado
num modelo, positivo ou negativo. É dessa falta, dessa "falha",
que nasce sua sedução.
Vejamos Virgínia. Vinda do interior, ela traz consigo, sem perceber, séculos de preconceitos raciais e sociais, que se manifestam
em frases como: "Você dá confiança à empregada, ela se aproveita". Mas é também uma mulher afetiva e generosa, pronta a se
sacrificar pelos outros.
O susto de Maria ao perceber
que o filho é gay não suplanta seu
amor de mãe, e logo ela trata o namorado do filho como "genro",
num misto inextricável de ironia e
carinho.
Pequenos gestos, frases interrompidas, expressões sutis de
atores extraordinários acabam
por nos dizer muito mais sobre o
racismo e a homofobia do que mil
discursos teóricos. A própria relação ambígua entre Edgar e Maria,
algo tão representativo de nossa
herança escravista, vale por um
estudo sociológico.
Faltou falar do modo como a cenografia e a fotografia captam o
colorido caldeirão urbano de Botafogo; da sutileza com que os
personagens secundários se imiscuem na trama central e mudam-lhe a direção; do diálogo implícito
com os enredos novelescos etc. Só
cabe dizer que "Bendito Fruto" é
um dos filmes mais divertidos e
comoventes dos últimos tempos.
Bendito Fruto
Direção: Sergio Goldenberg
Produção: Brasil, 2004
Com: Otávio Augusto, Zezeh Barbosa
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Jardim Sul e circuito
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