|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
ROMANCE
Autor diverte com narrativa de situações fantasiosas e tom debochado
Cony recorre ao inexplicável em "O Adiantado da Hora"
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Enquanto muita gente perde
horas rascunhando um bilhete de cinco linhas, Carlos Heitor
Cony escreve como quem respira.
"O Adiantado da Hora" é o sétimo romance que publica desde
1995 -ano em que, interrompendo um silêncio de 22 anos,
voltou ao gênero com "Quase Memória". Há ainda, claro, as crônicas diárias na Folha, os livros juvenis, o "romance-reportagem"
"O Beijo da Morte", sua participação na Folha Online, sem contar
o trabalho de comentarista na rádio CBN e na BandNews.
Em "O Adiantado da Hora",
não se vai encontrar muito daquele lirismo bem medido com
que o autor freqüentemente encanta quem acompanha as suas
crônicas. Mas seus leitores diários
conhecem também o gesto subitamente extravagante, o áspero
recurso ao inexplicável -que esse romance maneja com notável
fluência narrativa.
A história é das mais enroladas.
Zé Mário, uma espécie de faz-tudo num escritório de advocacia
carioca, é deslocado para a região
de Cabo Frio, onde terá de investigar o desaparecimento de uma
ex-comissária de bordo alemã e
suas possíveis relações com a
eventual construção de uma
bomba atômica brasileira.
Cenário setentista
Embora seja imprecisa a data da
narrativa, todas as referências
apontam para meados da década
de 70: tempos do acordo nuclear
Brasil-Alemanha, do caso Doca
Street (o famoso assassinato da
socialite Ângela Diniz, a "Pantera
Mineira", ocorreu em Búzios), e,
de modo mais geral, de uma aceleração do processo de descompressão dos costumes sexuais da
sociedade brasileira.
É assim que a ex-comissária,
dona de belas "coxas teutônicas",
conforme se comenta, terá um caso de amor com um artesão negro, "esguio como um pente", e
também com Maria Ignês, bonita
filha de um político tratante que
todos conhecem pelo nome de
Seabra.
Esse último, figura capaz de fingir-se amnésico diante da própria
filha para fugir de um flagrante de
adultério, dá o tom debochado e
fantasioso de toda a história, que
acaba contaminando a credibilidade do narrador.
Não sabemos se o negro é na
verdade um feiticeiro, um assassino ou um simples escamador de
peixe no mercado. Mas sabemos
que a alemã e Maria Ignês "se curtiram adoidadas, a alemã pela carne nova que encontrara, Maria Ignês pela experiência que nunca
lhe passara pela cabeça, tronco e
membros".
"Bossa"
A vida sexual dos personagens,
narrada sem muitos detalhes, mas
com bastante entusiasmo, termina parecendo mais real do que
eles próprios. O senso de humor
-especialmente feliz na denominação dos capítulos do romance-, a "bossa" da sintaxe e a eficiência na exposição do enredo
rocambolesco fazem de "O
Adiantado da Hora" uma leitura
fácil e divertida.
Só isso? Só isso, e mais o vazio
em volta: areais a perder de vista,
os redemoinhos de um mar "rude
e terrível", e a sensação de um absurdo que não é propriamente
"existencial" (ao modo de Sartre e
Camus), mas parece corroer até
mesmo as experiências sensoriais
mais imediatas do indivíduo, submetendo-o a uma espécie de farsa
alucinada, ao fim da qual, como
diz a epígrafe do livro, a loucura
tudo vence.
O Adiantado da Hora
Autor: Carlos Heitor Cony
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 32,90 (217 págs.)
Texto Anterior: Mondo Cannes Próximo Texto: Política internacional: Paul Krugman ataca o governo Bush Índice
|