São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

O sonho olímpico à beira do abismo

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

As Olimpíadas ainda nem começaram, mas o Brasil já tem seu candidato a herói, ou melhor, candidata a heroína olímpica: Daiane dos Santos. A expectativa é enorme: nos programas esportivos que precedem os Jogos de Atenas, ela é tratada como a grande promessa de medalhas, de glória, de heroísmo.
Não é de todo descabido esse tratamento. Daiane é, de fato, uma atleta excepcional, vem obtendo resultados expressivos em competições internacionais, deu nome a um salto que só ela consegue fazer etc. Mas o problema é transformar o desejo de que a ginasta se saia bem em comemoração por antecipação. A competição olímpica pode reservar surpresas e é já de se perguntar o que acontecerá com Daiane, se seu "sonho olímpico", para usar uma expressão presente em nove entre dez matérias de programas esportivos, não se realizar.
Para a TV, o esporte é a arena por excelência onde se criam e destroem heróis. Nas Olimpíadas, um raro momento em que a hegemonia absoluta do futebol como preferência nacional dá lugar a outras modalidades, outros nomes, outras imagens, essa possibilidade se multiplica, e daí essa espécie de corrida em determinar aqueles que devem ou não merecer nossa devoção.
É ambígua a relação dos brasileiros com seus heróis esportivos. Em primeiro lugar, temos a tendência a ser condescendentes no atacado e rigorosos no varejo. Perdoamos com mais facilidade um time que vai mal do que o esportista individual ou a estrela do time que falha. Lembremos de como Ronaldo, em 98, despencou para a posição de vilão em apenas uma partida e, em 2002, só ali depois do jogo contra a Inglaterra voltou plenamente a seu posto de herói do futebol.
Em segundo lugar, mesmo que os feitos atestem a potencialidade desse ou daquele atleta tornar-se um herói, temos um eterno pé atrás. Por alguma razão, por alguma espécie de premonição do desastre, desconfiamos de sua capacidade até o final, apostamos que eles não irão satisfazer plenamente nossa sede de triunfo. Talvez pela história errática de feitos esportivos, talvez por uma espécie de incapacidade de acreditarmos sem ressalvas no outro, o fato é que os nossos heróis do esporte nos parecem na iminência de um fracasso.
Mas esporte na TV é, como se diz, emoção em estado obrigatório e essa desconfiança não combina com a espécie de histeria que toma a cobertura esportiva. A solução é bombardear o espectador com a certeza de que as previsões têm que dar certo.
Uma observação se impõe: esta coluna torce para que Daiane se transforme em nossa heroína por força de suas proezas, não pela insistência da TV. Desde Nadia Comaneci, que apresentou a ginástica agora chamada de artística para a minha geração, a visão dessas meninas que voam está entre as mais impressionantes e belas imagens que um esporte pode proporcionar.

@: biabramo.tv@uol.com.br


Texto Anterior: Novelas da semana
Próximo Texto: Turismo cultural: "Migrantes" engrossam renda de eventos e casas paulistanas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.