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CINEMA
Croata Rajko Grlic dirige primeiro filme co-financiado e co-produzido pelas antigas repúblicas da federação socialista
Projeto cinematográfico "une" a Iugoslávia
MATTHEW ROBINSON
DA REUTERS, EM PESTANI (MACEDÔNIA)
No alto de uma montanha macedônia, um projeto único de colaboração está em curso entre países que no passado faziam parte
da Iugoslávia, para revisitar a calma antes da tempestade que causou a cisão do país.
"Karaula" (posto de fronteira) é
o primeiro filme co-financiado e
co-produzido pelas antigas repúblicas da federação socialista depois que irrompeu a Guerra da
Croácia em 1991, seguida de maneira tão feroz pelo conflito bósnio iniciado no ano seguinte.
"Trata-se de uma história que
mais ou menos constitui nossa
memória coletiva", diz o diretor
croata Rajko Grlic sobre o filme,
que toma por tema a vida em uma
complicada unidade de fronteira
do Exército iugoslavo em 1987.
"Estamos brincando com essa
memória e tentando descobrir
por que e como a guerra chegou
tão facilmente aqui", disse.
O veterano diretor em 1991 dirigiu o último dos filmes pan-iugoslavos, "Caruga", sobre um
bandido no leste da Croácia, logo
depois da Primeira Guerra Mundial, cujos sonhos de um Estado
comunista desaparecem gradualmente à medida que sua pilhagem
se torna mais e mais lucrativa.
A guerra na Croácia, de 1991 a
1995, e a na Bósnia, de 1992 a 1995,
custaram 300 mil vidas e causaram sérios problemas a outros
milhões de pessoas. Também serviram de inspiração a uma série
de filmes sombrios, satíricos e
contrários à guerra, como "Pretty
Village, Pretty Flame" (bela aldeia, bela chama), marcante trabalho do sérvio Srdjan Dragojevic, em 1996, e o agridoce "Terra
de Ninguém", dirigido pelo bósnio Danis Tanovic, co-produção
de Eslovênia, França e Itália que
conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2002.
Tanovic não recebeu verba de
seu país empobrecido, e Grlic admite que a colaboração em "Karaula" foi ditada mais pelo pragmatismo do que por ideais elevados de catarse ou reconciliação.
"Todos esses países são muito
pequenos e bastante pobres e, para realizar uma produção maior, é
preciso co-produzir filmes", diz.
"Assim, decidimos concorrer por
verbas em todos os países, que
usam mais ou menos o mesmo
idioma e foram todos parte do
mesmo país."
O resultado é um orçamento de
cerca de US$ 2,4 milhões (cerca de
R$ 4,7 milhões), boa parte do qual
na forma de verbas dos governos
de cada uma das antigas repúblicas, e uma equipe técnica e elenco
de 120 pessoas vindos de toda a
antiga Iugoslávia. Uma produtora
de Kosovo, a Província sérvia
ocupada por uma minoria albanesa cuja autonomia continua a
ser contestada, também está representada. "Queríamos as melhores pessoas para criar uma atmosfera autêntica", diz o produtor bósnio Ademir Kenovic.
Grlic descreve o filme como
uma comédia simples sobre um
pequeno grupo de soldados, "um
momento de silêncio" antes da
tragédia. "Era um período em que
todo mundo sabia que algo aconteceria, mas ninguém sabia o
quê", diz, com um sorriso irônico.
Observar o interior do posto de
fronteira revela uma coleção empoeirada de discos de rock iugoslavo dos anos 80 e uma esmaecida
fotografia em preto-e-branco do
Partizan, um time de futebol então multiétnico em Belgrado.
Uma pichação em letras grandes, na parede, evoca o lema da
velha Iugoslávia: "Devemos proteger a irmandade e a união como
protegeríamos nossos olhos".
O filme, que deve chegar aos cinemas dentro de um ano, traz o
estudante de teatro croata Tonu
Sgojanovic, o galã sérvio Sergej
Trifunovic e o veterano ator bósnio Emil Hadzihafizbegovic.
Grlic diz que reuniu toda a equipe diversas semanas antes da filmagem para quebrar o gelo. "É a
primeira vez que todos voltam a
se reunir, com todas aquelas más
lembranças e frustrações", disse.
"É difícil para eles, especialmente para as crianças que vêm de lugares com tanto nacionalismo. É
por isso que os reunimos aqui, para que convivessem durante algumas semanas e aceitassem que
são diferentes, mas ainda assim
podem trabalhar juntos."
Grlic espera que "Karaula" seja
o primeiro de muitos trabalhos
colaborativos entre os problemáticos vizinhos dos Bálcãs, especialmente em um momento em
que tentam avançar para além de
filmes imputando culpa pelas
guerras. "Todos aqueles filmes
que tentavam lutar pelo meu lado,
ou pelo lado dele, aqueles filmes
meio de propaganda, acho que
acabaram", diz.
Trifunovic, conhecido como o
"James Dean da Sérvia", tinha
apenas 18 anos e mal começara a
carreira quando a guerra estourou. Diz que a cooperação e a camaradagem que encontrou no estúdio foram "especiais". "Esse é
meu 13º filme, mas meu primeiro
filme iugoslavo. Um filme de um
país inexistente!"
Tradução Paulo Migliacci
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