São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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Crítica/dança

Do genial ao comercial, NDT 2 firma grande momento da dança

Companhia holandesa traz hoje a São Paulo coreografias que se destacam pela qualidade de movimentos e construção cênica

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA, DO RIO

Em turnê pelo Brasil, o Nederlands Dans Theatre 2 apresenta três peças: "27'52" (2002), do tcheco Jiri Kylián; "Sob a Pele" (2006), do brasileiro Henrique Rodovalho; e "Spit" (2007), do israelense Ohad Naharin.
Kylián, que foi diretor do NDT de 1978 até 1999, marca a cena da dança com coreografias que sempre deixam extasiado quem vê: pela qualidade do encadeamento dos movimentos, pela capacidade de comunicação e pela construção cênica.
Em "27'52" (a duração da coreografia), o lirismo dos encontros, a angústia da manipulação erótico-amorosa e a experiência do sofrimento batem e rebatem a verdade de que "não somos mais do que um ser humano", como diz um dos textos falados ao longo da obra.
O cenário minimalista usa o linóleo (piso especial para dança) tanto para recobrir o palco de branco e preto como para criar faixas que descem em varas, e ainda para enrolar ou cobrir os dançarinos. São três casais dramatizando a manipulação das mulheres e a tentativa de escaparem, presas em si mesmas e nos limites móveis dos homens no palco, sutentadas pelo que em si resiste e ao mesmo tempo se entrega.
Grande momento: o duo final, em que o homem e a mulher, de torso nu, enrolam-se num único corpo, riscando o palco em metamorfoses infinitas.
A música dissonante de Dirk Haubrich foi composta a partir de dois temas de Mahler (1860-1911) e se vale ainda de textos de autores como Baudelaire e Dalai Lama.
Trabalho inédito de Rodovalho, "Sob a Pele" começa com diverso solos, em que a dança segue a melodia, e não propriamente o pulso da música; são gestos lentos, cortantes, espaçados, densos. O movimento típico de Rodovalho (coreógrafo do Quasar), com acentos que reverberam por todo o corpo, aqui estão mais controlados, como se os desejos tivessem que ser mantidos em segredo.
Em alguns momentos, faz-se expressiva a não menos característica ironia, seja pelo movimento repetido do quadril, seja pela postura encurvada do torso de quem não teve a atenção que queria. Roupas, gestos e música -do jongo à bossa nova- sublinham o que há de fragmentado nesse universo em busca de perfeição.
Fechando a noite, "Spit", de Naharin, diretor do Batsheva Dance Company, é uma colagem de quatro peças do seu repertório. Infelizmente, a coreografia sofre um pouco, aqui, pela falta de continuidade entre as várias partes. Por exemplo, "Black Milk" foi dançado há alguns anos pelo Balé da Cidade de São Paulo; quem viu há de se lembrar da coesão e da força dessa peça, que aqui se diminui num entretenimento distante da intenção original.
Mas, se o programa começa com uma peça genial e termina com essa colagem mais comercial, nem por isso deixa de ser um grande momento da dança.
O nível técnico dos dançarinos é o mais alto que há; ver uma obra de Rodovalho dançada por essa companhia representa um orgulho nacional; e o impacto dos melhores momentos do NDT 2 é algo que se guarda, depois, para toda a vida.


A crítica INÊS BOGÉA viajou ao Rio a convite da Antares

NDT 2
Quando:
hoje e amanhã, às 20h30
Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, tel. 0/xx/11/3288-0136)
Quanto: de R$ 50 e R$ 100
Avaliação: ótimo


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